Visita de estudo à Figueira da Foz — 2.ª Edição
Fomos passear e cruzámo-nos com a consagração do novo menino de ouro português. Emoções, amizades, palhaçada, cerveja, ciclismo, Morgado e falso plano. Muito falso plano.
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Há uma relação bonita entre o falso plano e a Figueira Champions Classic. Pelo menos, eu sinto uma ligação grande à prova e já há muito não festejava tanto uma vitória como o fiz no passado domingo, mas a essa parte já lá vamos. Talvez por a clássica ter nascido num ano que coincidiu com o primeiro ano completo do projeto, talvez pela proximidade que se sente com as gentes locais, talvez por me sentir rodeado de pessoas que sofrem do mesmo vício e doença do que eu, provavelmente por tudo isto.
Em 2023, foi a primeira edição e a nossa primeira presença, presença essa bem documentada no artigo escrito pelo Branco — Visita de estudo à Figueira da Foz — e ao qual tenho agora a missão de suceder. Em 2024, deu-se uma história curiosa, já que estando tudo marcado, eu me deparei com uma incompatibilidade de calendário (tinha férias marcadas em Andorra e tive de faltar, tendo aí partido um braço — era o mundo a dizer-me para não voltar a falhar a Figueira). O falso plano esteve representado na mesma pelo Pratas e eu fui gozado até hoje pela minha desorganização crónica. Mesmo assim, foi uma edição marcante para mim, para a organização e para o projeto. Para a organização porque ver a sua prova vencida por um ciclista da dimensão de Remco Evenepoel envaidece qualquer organizador. Para mim e para o projeto porque foi a primeira vez que um de nós, o Branco, esteve na televisão a comentar a prova, começando então nós a perceber que se calhar conseguíamos mesmo levar alguma malta a pensar que percebíamos disto.
Estava na hora de mais uma edição e o painel deste ano estava bem composto, e é apresentado abaixo através da beleza óbvia destes três personagens.
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Uma das coisas que me faz perceber o quanto eu gosto disto é a minha capacidade de me levantar cedo aos fins-de-semana. Sábado de manhã, o Rogério apanha-me em casa e eu atraso-me porque isso é o que faço, é imagem de marca. Viagem comprida cumprida e, chegados ao destino, fomos diretos ao que interessa: peixinho bom com vista mar e vinho branco, not a bad start at all. Seguia-se um momento solene: o falso plano ia levantar acreditações de media, como se fosse mesmo um projeto a sério.
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Esta missão concluída, começámos a fazer tempo até à próxima (já que na minha cabeça essa teria de ser desempenhada à noite por não saber bem se era legal). E se há coisa que nós fazemos bem é tempo, normalmente a beber canecos. A primeira paragem foi no Forte de Santa Catarina, local bem bonito que também marcou presença no roteiro de 2023. A segunda, na Casa Havaneza, local determinante no sucesso deste projeto, já que foi onde apanhámos a primeira bebedeira conjunta na altura. E sempre me ensinaram que assim é que se conhece as pessoas. Seguiu-se Casino, pois 'tá claro, o menino Henrique não podia não ir lixar 20 paus a jogar ao preto e ao vermelho. E como uma parvoíce nunca vem só, um mergulhinho na água gélida da Figueira ao fim do dia soube a gingas. Estava então na hora de colocar em prática a ideia que tinha surgido de véspera no WhatsApp e à qual todos aderimos de imediato. "Malta, temos de escrever falso plano no chão na subida". Pois claro que temos. Nem sei como chegámos até esse momento sem pensar nisso. E não penso que, no futuro próximo, se vá efetuar a subida ao Parque Florestal sem terem de passar por cima do nosso azul.
Eu sou o gajo menos artístico do mundo e, além disso, fiz mal as contas. Se me tenho deixado ir ficava sem tinta antes de chegar ao "S". Valeu-me a experiência do meu mano Rogério, com quem nunca rachei umas battles mas que já tem mais andamento nisto e me explicou logo que aquilo ia dar asneira. De rabo para o ar, já de noite, lá criámos a obra prima. E como a fezada de que ia dar Morgadão já estava presente em nós, porque não mandar um apoio extra ao bigode voador?
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Jantar num tasco, mais uma desilusão sportinguista, cervejas para domingo compradas, Velogames do UAE Tour escrito, pseudo-entrevistas preparadas. Amanhã há mais e de manhã chegava um reforço de peso. Fábio Babau apresentava-se ao serviço pela fresca e juntava-se a nós rumo aos autocarros.
Agora começa a parte em que nós somos uns pinos do caraças e que se devem questionar sobre se deviam ou não dar-nos coisas a dizer "Media". Mas é assim, isto a ser péssimo é que se aprende. Para dar contexto, nós queríamos falar com alguns ciclistas, aproveitar a presença das estrelas para criar esse conteúdo mas sobretudo para podermos ter a experiência de falarmos de perto com esta malta que passamos tantas horas a ver na TV (nota: quando digo queríamos é talvez um termo abusivo. Eu sofro com essas coisas e escondo-me o mais longe possível). O contacto prévio com as equipas tinha sido um fracasso, pelo que nos restava as oportunidades que surgissem no próprio dia da prova.
Sendo nós três maçaricos, andámos a perder tempo ao pé dos autocarros a ver se apanhávamos alguém interessante, até a press officer da Tudor nos ter dito que estávamos melhor na zona mista. Seguimos as indicações e oh maninhos, aquilo era mel. Não estava lá praticamente mais ninguém, apanhavas os ciclistas a subir e a descer do palco onde eram apresentados e tinhas sempre ali algum tempinho para falares com o membro que escolhesses de cada equipa.
Apanhámos malta gira: um super-Bini, simpático, de sorriso aberto e com bastante abertura para falar; o senhor John Degenkolb, que é um amor e que prefere Super Bock, como todas as pessoas cuja saúde mental não está danificada; o G, que me desiludiu um pouquinho a nível de comunicação, mas se calhar a cabeça não estava propriamente na Figueira sabendo que o anúncio da retirada estava para breve (e Hey, estivemos a falar com um Sir que ganhou o Tour — vai fácil para a lista de achievements deste projeto); Neilson Powless, bem disposto, confiante e agradável; Morgadão e João, sempre de muitas palavras, como é sabido; Ruben Guerreiro de pança cheia e recuperado das quedas recentes; e Paul Magnier que se por um lado não percebeu a nossa pergunta, por outro nos proporcionou esta foto mesmo à profissionais da coisa.
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Há um lado nisto que ainda me stressa e no qual continuo a não me sentir confortável. Editar os vídeos, publicar tudo rápido, ser um influencer. Uma boa parte de mim só quer ir ver a corrida descansado e continua a ser meio surreal ver-me agora neste papel e com este tipo de preocupações, mas é uma aprendizagem e um desafio que me está a dar um um gozo tremendo encarar e que leva toda a experiência a um nível diferente. Como se não bastasse o acima citado, eis que os senhores do ProCyclingStats também acharam que nós éramos gente fiável e pediram-nos ajuda para o acompanhamento da prova. Sei que parece uma cena pequena, mas para mim, que vejo ciclismo desde puto e que sempre acompanhei tudo pelo PCS, foi uma "honra" poder ajudar este pessoal que tantas vezes nos ajudou. Sem eles, como saberia eu se o Jambaljamts Sainbayar tinha ou não ganhado o sprint pela 3.º categoria do Tour of Hainan para me render uns pontos na Cycling Fantasy App? E como viveria eu sem essa informação?
Our PCS LIVE STATS #WhereElse of #FigueiraChampionsClassic #figueiraclassic was the most viewed PCS LIVE STATS #WhereElse of 2025 till now
— ProCyclingStats.com (@ProCyclingStats) February 16, 2025
Special thanks to @falsoplanoblog for giving us live updates so we were the only source with info before live TV broadcast started pic.twitter.com/RwtTMUkk6R
Está na hora de nos dirigirmos ao local do crime. Rua do Parque Florestal era o nosso destino e o ambiente que lá encontrámos foi muito giro. É bom ver que o interesse na prova aumenta com os anos, ajudado não só pela qualidade da mesma como pelas expetativas que os ciclistas portugueses permitem que se deposite em si. Tivemos uma experiência inédita, já que ouvimos variadas vezes, enquanto subíamos, "olha, vai ali a malta do falso plano". Alguns abordaram-nos, sempre elogiosos e simpáticos. Bem, parece que um dos lemas do falso plano está a perder validade, a frase "não faz mal, também ninguém ouve isto" pode já não se aplicar exatamente, embora seja uma boa mentalidade para mantermos de forma a dizermos as parvoíces todas que nos ocorrem.
Chegámos ao nosso spot, vimos que a nossa tattoo tinha sobrevivido com distinção à noite chuvosa e sentámo-nos para desfrutar da corrida. Pois quando Rogério Almeida, sempre entre os seus dois amores dos quais nós sabemos bem nunca podermos aspirar a ser mais que o amante, nos informa que há concentração de Lingrinhas uns metros mais à frente. Juntamo-nos a eles. Mais pessoas juntas quer dizer mais cerveja, mais discussões sobre ciclismo e mais apaixonados com quem partilhar a emoção da prova.
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Uma hora bem regada e conversada depois, dá-se a primeira passagem dos ciclistas no ponto onde nos encontrávamos. Corrida ainda tranquila, as decisões estavam por vir mas a sensação de ver passar tanta estrela ali a centímetros nunca deixa de ser incrível. Entre passagens, mais uma medalha nos Europeus de Pista, cortesia dos manos Oliveira, e uma azia fantasista em Almeria, cortesia de Milan Fretin. Segunda passagem, senhores sigurem-se, que o pelotão já vem em modo full gas a cheirar os calcanhares da fuga e o senhor Alaphilippe faz uma aceleração mesmo à minha frente. Eles passam e está na hora do telemóvel para ver o que acontece até lá em cima. Alguns ataques e contra ataques no pelotão desaguam num Ganna isolado, mas a sensação geral é que a decisão ficará para a última passagem.
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Chegamos então à última passagem pelo parque florestal, com a locomotiva italiana a dispor de pouco avanço e os puncheurs lá atrás a saberem que ou faziam diferenças aqui ou iam perder para os homens rápidos na meta. A diferença de velocidade é notória em relação às passagens anteriores, vem tudo de faca nos dentes, os nossos amigos Girmay e Magnier já descolados com uma cara de sofrimento que doía só de ver. Mas a verdade é que os favoritos ainda passaram juntos e, tenho de confessar, tive um pequeno momento de desilusão. Queria ataques, queria ver a corrida partida. Não vi, é verdade, mas as notícias correm depressa e segundos depois da passagem, chega a noticia que Morgadão está ao ataque. E preparem-se, porque a partir daqui este artigo poderá eventualmente tornar-se bastante semelhante ao que podem imaginar como uma declaração de amor ao jovem ciclista português.
🚀#FigueiraChampionsClassic pic.twitter.com/TA9dWw4JSd
— falso plano (@falsoplanoblog) February 16, 2025
Um estimado, e sortudo, seguidor partilhou este vídeo conosco. Um bocadinho de inveja também não mata, acho eu.
Eu gosto mesmo dele. A irreverência de quem quer por tudo provar o quão bom é, a inocência de quem ataca sem pensar nas consequências, as caretas de quem vai sempre no limite, aquele ar de que tudo o que não é andar de bicicleta o aborrece um bocado e, sobretudo, a forma de correr contagiante e apaixonante. Os 15 minutos que se seguiram foram caóticos. Não tínhamos decidido previamente se íamos ao pódio ou se íamos ficar a conviver mais um bocado, mas com este desfecho, tornou-se evidente que "era já tempo de embalar a trouxa e zarpar" (manter a quota de referências ao Zeca por crónica parece-me um conceito divertido). Cadeiras, geleiras, malas, chaves. Tudo a correr para o carro. Telemóvel ligado a ver se o miúdo se aguentava. Aguenta miúdo, aguenta, vá lá. Vivi durante anos estas emoções no sofá, muitas vezes com poucas pessoas com quem as partilhar, e agora estava no carro com dois amigos igualmente entusiasmados enquanto fazia tweets para partilhar com a nossa comunidade esta alegria grande que estava para chegar, a alegria de ver um português ganhar em casa. 15 quilómetros, 25 segundos, é capaz de dar. 10 quilómetros, 40 segundos, está feito. 5 quilómetros, 2o segundos, se calhar rebentou. 1 quilómetro, 15 segundos, vai dar. E deu caraças. M-O-R-G-A-D-Ã-O limpou estes manos todos. Uma explosão sentiu-se no trânsito onde nos encontrávamos a tentar chegar ao pódio, buzinadelas e gritos de festejo.
JÁ ESTÁ. Vitória de 🇵🇹 António Morgado.
— falso plano (@falsoplanoblog) February 16, 2025
Que masterclass.#FigueiraChampionsClassic pic.twitter.com/asv0LC8k76
Eu não sou de me emocionar, ou vá, se calhar até sou. Gritei, festejei, agredi o tablier do carro do Rogério, saltei para as cavalitas do Bau, mandei áudios a dizer que o Morgado era o melhor ciclista desde a criação da roda. Se calhar exagerei, é verdade, não devia ter gritado.
Seguia-se o pódio, onde o falso plano tinha acesso privilegiado. Eu estava ali como tudo menos como media. Era só um fã no meio das câmaras grandes, a gritar "és o maior" enquanto as outras pessoas queriam fazer o seu trabalho. Espero não ter incomodado em demasia. Destacar que Morgado cometeu a proeza de subir ao pódio umas cinco vezes e de não abrir um sorriso, é surreal. Não percebo se é imagem de marca ou se ele só se quer mesmo é ir embora para preparar a próxima vitória. A foto que dá capa a este artigo foi tirada segundos depois de descer do pódio e de dar uma curta entrevista ao Bau e ao Rogério (sim, alguém mantinha os interesses do falso plano em primeiro lugar). Na fotografia, nota-se que nós estamos muito contentes e nota-se também que ele só se quer ir embora. Foi simpático mas manteve o ar de quem pensa que não fez nada de especial, disse que estava cheio de frio e cheio de champanhe e foi embora.
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Emoções descarregadas, estava feita a festa. Quer dizer, a festa termina quando uma pessoa decide, não é? Sentámo-nos na esplanada a beber uma 'neca e a reviver as emoções do dia. A esplanada estava boa, a cerveja estava ótima, e a companhia estava ainda melhor já que os Lingrinhas tinham voltado a juntar-se a nós. Apesar disso, e como já devem ir sabendo, as minhas crónicas têm sempre um lado auto-promocional, e por isso, quis mais uma vez exibir-me a trabalhar, revendo e lançando qualquer coisa, acho que o artigo da Cycling Fantasy App do UAE Tour. Mas o destaque aqui vai para o boné espetacular que ostento, prenda do grande David Amaro, um seguidor que tivemos o prazer de conhecer na subida e que se disponibilizou a arranjar uns chapéus destes para nós. Finda a corrida, fez questão de manter a sua palavra e ainda levou um abraço, que quantos mais celebrarmos juntos melhor.
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Boa parte do assunto de conversa consistiu, naturalmente, em colocar as expetativas para o futuro do Morgado bem lá em cima, no Norte da Europa, na Flandres e na Liège, no Alaphilippe e no Mathieu van der Poel. Não sei se essas profecias se vão realizar, ando há tempo suficiente no desporto para saber que muitos aparecem e desaparecem, outros nunca chegam a ser tudo o que parecia que podiam. Também não sei até que ponto o meu enviesamento tuga me tolda a capacidade de análise. Mas sei que me dá um gosto tremendo ter um corredor português a correr desta maneira. Sem medo, ofensivo, classicómano. Ousado, arrogante, pouco cerebral. Desde já o meu obrigado ao António por isso e o pedido que não perca esse lado meio louco nas corridas.
Sinto que, à frente dos nossos olhos, se deu, no dia 16 de Fevereiro de 2025, a confirmação perante o público português e perante o pelotão internacional, de que António Morgado é mesmo muito bom, que é mesmo um fenómeno. Que tinha acabado de nascer, ou de se consagrar, o novo menino de ouro em Portugal. Esperemos que todas as expetativas se realizem, que ainda soframos muito, na estrada ou no sofá, a assistir às lutas do Morgadão por esse mundo fora.
Foi um dia incrível. Um dia cheio de emoções, cheio de amizades, cheio de interações inesperadas, cheio de palhaçada, cheio de desafios, cheio de cerveja, cheio de ciclismo, cheio de Morgado. No fundo, foi um dia cheio de falso plano.
Venham mais destes que eu adoro isto.
Um abraço.
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