Visita de estudo à Figueira da Foz

O falso plano fez-se à estrada. Dominámos uma curva da subida mais dura da Figueira Champions Classic. Gritámos por Casper van Uden. Demos força a Rui Costa. Isso mais chouriço assado e queijo de cabra.

Visita de estudo à Figueira da Foz

À sexta-feira, o cansaço tem sempre uma palavra a dizer, uma opinião particularmente insistente. Sentados num restaurante fast food à saída de Lisboa, arguíamos em torno das opções de fantasy para a Volta ao Omã. "Vais mesmo levar o Sosa?", perguntou o Pratas, indignado, tentando não se engasgar com uma batata frita insossa. "Claro que vou", respondi, confiante. No fundo, foi meia-hora de acusações diversas, depois-não-digas-que-não-te-avisei, eu-não-levo-sprinters, entre outras máximas universais que logo se dissipam ao segundo dia de prova — uma coisa é certa: devia ter ouvido o Pratas e ter levado o Matteo Jorgenson. Enfim, aquele era o aquecimento necessário, a melhor forma de combater o cansaço, uma espécie de cafeína ciclística, que diz à sexta-feira para ir dar uma curva. Estávamos prontos.

Duas horas de viagem até à Figueira da Foz — numa bela prestação do Corsa já com alguma idade do Henrique — e o cansaço já tinha sido substituído pela febre de sexta-feira à noite, sobretudo num fim-de-semana onde o falso plano se ia estrear na estrada. Fomos testando as esplanadas e os conceitos no centro da Figueira da Foz. Evitámos entrar no Casino — afinal, podíamos enriquecer e tornar o falso plano um projecto sério, algo que se poderia revelar bastante danoso para as nossas amizades. E acabámos por estacionar — depois de o Henrique ter partido um copo no primeiro pub a que fomos — na segunda opção: a Casa Havanesa. Quando voltámos a abrir os olhos era uma da tarde de sábado. Não, agora a sério: saímos da Casa Havanesa um bocado tarde, depois de uns valentes copos, números a menos no extracto bancário, chouriço assado e queijo de cabra. Agora sim: estávamos prontos. A Figueira Champions Classic que se cuidasse.

No dia seguinte, parecia que tínhamos subido o Tourmalet. A recuperação foi lenta, mas gradual. Conseguimos ir almoçar, fomos espreitar a partida, a zona do pódio, tirar as medidas à recta da meta. Foi aí que se deu o acaso de passar a equipa da DSM, que experimentava as ruas principais da Figueira da Foz. Gritámos pelo Casper van Uden, esse sprinter francamente talentoso (que um dia volvido terminaria em 15.º na prova, provando que consegue passar algumas subidas bastante duras), mas ele não nos respondeu. Optámos por não levar tal afronta muito a peito.

Demos uma volta nos hotéis das equipas só para nos enturmarmos mais com aquilo que tínhamos vindo fazer, efectivamente, à Figueira. Uma das conclusões engraçadas é que o autocarro da EF Education-EasyPost tem dentes na parte da frente. Se a isso juntarmos a curiosidade de no seu interior, aquando da nossa passagem, alguns elementos do staff assistirem a um jogo de andebol feminino espanhol… Bom, tirem as vossas conclusões. Não é de estranhar que um dia depois, com quatro corredores na frente, não tenham conseguido bater Casper Pedersen (Soudal - Quick Step).

Um pouco mais à frente, estava estacionada a Alpecin-Deceuninck. A frota era enorme, ao ponto de nos levar a pensar que talvez pudessem, um dia mais tarde, decidir criar uma banda e fazer uma tour europeia pelos maiores festivais de música — Nicola Conci, que fechou em 9.º lugar na prova seria provavelmente o vocalista.

Estava na hora de irmos fazer o reconhecimento, que é como quem diz: vamos lá ver onde é que nos vamos sentar a ver a prova. Depois de percebermos que a subida de Enforca Cães era muito estreita, escolhemos um troço bastante duro da subida da Rua do Parque Florestal para assentar arraiais. O carro do Henrique teve algumas dificuldades, mas voltou a comportar-se à altura do desafio. Descemos, fomos comer uma pizza, fizemos a digestão com alguns quizzes de ciclismo só para provarmos que faz sentido termos este blogue, e fomos descansar.

No domingo, acordámos por volta das sete da manhã e fomos para a concentração. Aí, fomos diretos ao autocarro da Intermarché - Circus - Wanty. Não conseguimos falar com o Rui Costa dada a afluência de adeptos que consigo queriam tirar uma fotografia e pedir autógrafos — sobrou-nos perguntar quem ia ficar em segundo lugar, ao que o campeão mundial de Florença nos respondeu com um sorriso. O Rui Costa acabou por fechar em quarto lugar. Rune Herrogodts fez segundo e o Kobe Goossens décimo. Confirmando o excelente início de temporada e as palavras de Dimitri Claeys, director desportivo da equipa belga, que em entrevista ao falso plano confirmou aquilo que já sabíamos: "Estamos em Portugal, temos um homem em muito boa forma, portanto o Rui Costa é o nosso líder para hoje. Num segundo plano, temos o Kobe. E se a prova acabar por ser ao sprint temos o Madis Mikhels. Em princípio, as subidas são muito duras para ele, mas vamos ver, ele é um miúdo muito talentoso, ainda está a conhecer as suas capacidades e quem sabe se consegue passar as dificuldades."

Dirigimo-nos ao autocarro da DSM para falar com o senhor John Degenkolb. Perguntámos-lhe, em jeito de brincadeira, se o sentido natural das coisas, depois de vencer a Milano-Sanremo (2015) e o Paris-Roubaix (2015), era cortar a meta em primeiro lugar na Figueira Champions Classic. O alemão riu-se e prontificou-se a explicar que seria demasiado duro para ele e que estava aqui para ajudar os mais jovens e que as opções da equipa eram Oscar Onley e Kevin Vermaerke — este último acabaria por ser sexto classificado. Quanto ao resto da temporada, afirmou: "Quero contribuir para o bom ambiente da equipa, ajudar os corredores mais jovens e estar inserido no comboio da equipa no que aos sprints diz respeito. Julgo que posso fazer bons lançamentos para alguns colegas, como o Sam Welsford ou o Casper van Uden." A simpatia e a disponibilidade que Degenkolb demonstrou são próprias de gente boa, que anda em cima da bicicleta há muita tempo e as suas palavras confirmam que tem consciência de que já não vai para novo, mas pode ainda ter um papel importante na equipa.

Ainda fomos a tempo de trocar umas breves palavras com o campeão mundial de sub-23 (2021), Filippo Baroncini. O corredor italiano tem tido uma árdua adaptação ao escalão de elites e o calvário de lesões de 2022 teve bastante culpa no cartório. "Para 2023, o principal é manter-me afastado das lesões. Isso é o mais importante. Depois, a nível de objectivos individuais estou focado nas Clássicas da Primavera, onde julgo poder fazer bons resultados", explicou antes de ir assinar o livro de prova.

As estrelas que ali estavam eram bastantes. Ainda ponderámos perguntar ao Fabio Jakobsen o que é que ele tinha vindo fazer à Figueira, tendo em conta a dureza desta clássica, mas o neerlandês até a sair em direcção ao local onde se assina o livro de prova se revelou demasiado rápido para o falso plano.

Rumámos ao local onde tínhamos definido ver a corrida. Fomos dos primeiros a chegar. Antes dos profissionais, passaram muitos ciclistas amadores, a quem sempre atirámos uma palavra de apoio. Tanto a esses, como aos adeptos que ali se começavam a reunir, oferecemos minis. No fundo, criámos um pequeno núcleo de treinadores de bancada — ou, neste caso, de cadeiras de praia ou de campismo, se preferirem. Aquela curva tornou-se nossa. E quando, à terceira passagem, assistimos ao momento em que John Degenkolb se desligou da corrida, demos-lhe o incentivo necessário para que ele tenha conseguido terminar — fechou no 45.º posto.

Corremos em direcção à meta. Ou pelo menos tentámos. As estradas estavam fechadas e acabámos por ver a chegada no carro, pelo telemóvel. Bem gritámos pelo Rui Costa, mas não foi suficiente. Ainda assim, achámos por bem ir dar-lhe um abraço no final. Explicou-nos que a situação de corrida foi bastante complicada — com os quatro homens da EF e os três da Quick Step na frente a dominar a parte final da mesma. "Ainda tentei sair na última passagem por Enforca Cães, mas estava muito vento", comentou, salientando ainda que a perseguição era feroz. E quanto aos objectivos para o resto da temporada, Rui? "É quase tudo", atirou com confiança. Aqui no falso plano, apostamos numa vitória na Volta a França e no título de campeão mundial. Mas sem pressão, sem nenhuma pressão.

Arrumámos a trouxa e fizemo-nos à estrada, de volta a Lisboa. Não gostamos de assumir compromissos que depois não podemos cumprir. Mas se o vento estiver favorável, talvez nos possamos voltar a encontrar em 2024. Na mesma curva.