Tour de l’Avenir: uma janela para os senhores que se seguem
De 20 a 27 de Agosto, dá-se mais uma edição da Volta a França do Futuro. Uma semana de estrada com passagens pelo Col de la Loze e pelo Col de l’Iserand. Quem trava Staune-Mittet?

Há quem esteja o ano todo à espera da Volta à França. E também há aqueles que estão o ano todo à espera do Tour de l’Avenir, prova também conhecida como Volta à França do Futuro e onde, a cada primavera, podemos ver os melhores futuros corredores do pelotão internacional. Aqueles que daqui a uns tempos poderão, se não se perderem pelo tenebroso caminho da passagem dos escalões jovens para elites, disputar grandes voltas, vitórias importantes, ver o seu nome escrito na estrada de uma grande subida. É por isso que esta é a prova mais aliciante do ano: quem são os próximos da fila? E essa noção de descoberta, de perspectiva futura, é do melhor que existe neste desporto.
Esta é a quinquagésima nona edição do Tour de l’Avenir, uma competição que já viu vencedores como Tadej Pogačar, Egan Bernal, Nairo Quintana, David Gaudu, e mais recentemente Cian Uijtdebroeks ou Tobias Halland Johannessen. 2023 volta a oferecer-nos um percurso recheado de atractivos e que promete ser uma barrigada daquelas a lembrar um almoço de família domingueiro. É já no próximo domingo que a festa começa. Podem marcar no calendário: o Tour de l’Avenir 2023 decorre de 20 a 27 de Agosto.
Do Col de La Loze ao Col de l’Iseran
Portanto, falamos de oito etapas — na verdade são nove, uma vez que a sétima etapa está dividida em duas — que começam, como sempre, com oportunidades para os sprinters, que também são gente. Sobretudo as duas primeiras tiradas, ainda que a primeira tenha ali uns muritos no final que podem afastar os homens com menos destreza para passar tais dificuldades.
Ao terceiro dia, o típico contrarrelógio por equipas já tradicional desta prova que deve estabelecer o primeiro líder fora dos homens rápidos. Depois disso, temos duas etapas mais talhadas para puncheurs ou onde a fuga pode ter uma palavra a dizer. E a partir daí, minha gente, é só rasgar pano.

Esta é provavelmente a etapa rainha. Possivelmente, onde as grandes diferenças vão ser feitas. Recordemos o quão fatídico pode ser o Col de la Loze — Tadej Pogačar que o diga. Mais de 23 quilómetros a mais de 7% de pendente média, que vai levar os corredores acima dos 2000 metros de altitude. Pobres rapazes.
Mas a dureza está só a começar. A sétima etapa é dividida em duas: com uma cronoescalada de 11 quilómetros à duríssima subida de Les Karellis — pendente média de 8%. Outro momento onde as diferenças podem tornar-se abismais. E, no mesmo dia, ainda têm mais 70 quilómetros com passagem pelo Col de Mont-Cenis: 9.7 quilómetros a 7%. Ai mãezinha.
Como se isto não bastasse: tomem lá morangos para a sobremesa.

A derradeira etapa tem a sempre complicada ascensão ao l’Iseran (12.9 quilómetros a 7.3%) e que apesar de estar colocada longe da meta, pode ser atacada por muita gente — afinal de contas, por esta altura, começa a não existir muito mais terreno para corrigir classificações. Os últimos quilómetros deste Tour de l’Avenir também são muita fruta: o St Foy Tarentaise tem quase cinco quilómetros a 8.4 de pendente média. Vai lá vai.
Um norueguês e os outros
Como quase sempre, há um favorito que se eleva perante os demais e este é norueguês e chama-se Johannes Staune-Mittet, da Jumbo-Visma. Já fez algumas provas com a equipa principal e mais do que isso: sabe o que é andar nestas estradas. O ano passado foi segundo classificado atrás de Cian Uijtdebroeks e já este ano ganhou o Giro Next Gen, fazendo uma super subida ao Stelvio. Mais: é um bom contrarrelogista e tem uma equipaça em seu redor como nomes como Johannes Kulset, Per Strand Hagenes, entre outros. É, por todas estas razões e mais algumas, o maior candidato.

Na selecção da Bélgica está outro dos possíveis candidatos: William Lecerf Junior. O corredor da Soudal - Quick Step foi terceiro na Volta do Ruanda e oitavo no Giro Next Gen — onde em 2022 foi quarto. É um peso pluma com grande habilidade a subir e tem de ser tido em conta.
Jan Christen, da Suíça, é naturalmente outros dos mais talentosos corredores aqui presentes. O prodígio de 19 anos que para o ano correrá na UAE Emirates tem um currículo invejável com um título mundial junior de ciclocrosse, um título de campeão europeu junior de estrada, tem sido sempre a somar. Este ano venceu uma etapa no Giro Next Gen e fechou em sétimo da geral. Existem algumas dúvidas sobre as suas capacidades nas subidas mais exigentes desta prova, mas estaremos cá para ver como lida com elas. Uma coisa é certa: dá espectáculo garantido.
Matthew Riccitello, da selecção norte-americana, é, naturalmente, um nome em destaque. Falamos de um trepador mesmo muito talentoso e que além disso em 2023 ainda só correu em elites pela sua Israel - Premier Tech. E isso significa que tem um Giro nas pernas onde inclusive fechou em décimo primeiro lugar na dificílima penúltima etapa, o contrarrelógio com chegada ao Monte Lussari. É certo que a sua equipa não é a mais forte, nem perto disso, mas imagino que não seja fácil fazer descolar Riccitello na alta montanha. A maior dúvida é o seu momento de forma: não corre desde o CIC Mount Ventoux, que decorreu no dia 13 de Junho.
Dentro da poderosa selecção alemã, reside outro dos grandes candidatos: Hannes Wilksch. O sólido corredor de 21 anos inserido na estrutura da Tudor finalizou o Giro Next Gen em terceiro lugar e já em 2022 tinha amealhado um sétimo lugar na mesma prova e outro no Tour de l’Avenir. É potente, sobe lindamente e é para seguir atentamente.
Provavelmente uma das melhores equipas em prova, senão a melhor, a França chega ao Tour de l’Avenir com ambições. Antoine Huby, que em 2024 correrá na Soudal - Quickstep para onde se transferiu a partir da Vendée U, é uma das grandes esperanças do ciclismo francês e tem somado excelentes resultados no calendário sub-23. O mesmo podemos dizer de Mathys Rondel, um corredor de 19 anos da Tudor com um talento estupendo e que apesar da pouca experiência poderá ter uma palavra a dizer.
E daqui não sairíamos se o tempo não urgisse e a atenção média do leitor fosse infinita. Não podemos, no entanto, seguir em frente sem referir a possível intromissão na luta pela vitória — ou pelo menos a eventual presença no top-10 final — de nomes como Gal Glivar (Eslovénia), Archie Ryan (Irlanda), Davide Piganzoli (Itália), Lukas Nerurkar (Reino Unido), Gérman Dario Gómez e Santiago Umba (Colômbia), Tijmen Graat (Países Baixos), Isaac del Toro (México), Alexander Hajek (Áustria) e, claro, António Morgado (Portugal).
O bigode vai à França
O recém vice-campeão mundial de sub-23 em Glasgow disse, em entrevista ao falso plano, que o objectivo para Avenir é um top-10. E ainda que a competição seja particularmente feroz, o sonho não parece impossível. Até agora, do que já vimos de Morgado, parece evidente que a alta montanha é ainda um problema para o corredor que assinou recentemente pela UAE Emirates. Mas também sabemos que no Giro Next Gen, Morgado se apresentou fora de forma e que isso, agora, não parece ser bem assim — quem anda como ele andou em Glasgow tem de estar bem.
Além do objectivo top-10, uma vitória em etapa pode ser algo mais acessível para o português. Sobretudo as etapas quatro e cinco, mais talhadas para puncheurs, podem estar na sua mente. Como já tem sido hábito: aqui no falso plano estamos sempre de bigode por fazer. António Morgado vai liderar uma selecção portuguesa que está de regresso à maior prova do calendário sub-23 depois da ausência no ano passado e que conta também com José Bicho, Diogo Gonçalves, Lucas Lopes, Alexandre Montez e Gonçalo Tavares.
Os sprinters também são gente
Nem só de trepadores e de espectáculo montanhoso se fazem as grandes provas. E, por isso mesmo, aqui vai um leque de alguns sprinters que podem vir a Avenir tirar bilhete para os principais comboios do pelotão internacional.
Luke Lamperti dispensa bilhete, uma vez que já o garantiu na Soudal - Quickstep, num contrato com duração de dois anos. Em 2022, fez dois top-10 nesta mesma prova. Em 2023 tem vitórias amealhadas um pouco por todo o planeta: Volta ao Alentejo, Volta ao Japão, Circuit des Ardennes e Le Tour de Bretagne Cycliste. Aos 20 anos, o norte-americano é um dos motores mais interessantes da nova vaga de sprinters. Se a isto juntarmos o facto de ter no seu comboio dois outros belos sprinters como Artem Shmidt (Hagens Berman Axeon) e o Colby Simmons (Jumbo-Visma)… A vantagem está, em teoria, do lado dos americanos.

Oded Kogut, inserido na selecção israelita, é logicamente um dos mais velozes desta startlist. Apareceu este ano de forma surpreendente e tem somado vitórias em provas menos vistosas do ciclismo internacional — não deixou de, no entanto, sacar três top-10 na Volta à Bélgica. Muito cuidado.
Dentro da multifacetada equipa francesa, parece existir um nome apontado às chegadas em pelotão compacto: Axel Huens. O corredor da equipa sub-23 da Intermarché ainda não conseguiu vencer este ano mas tem uma série de bons resultados em provas de categoria inferior. Além disso, foi medalha de bronze na prova de estrada dos nacionais franceses em sub-23.
Ali ao lado, na selecção belga, o torpedo Vlad Van Mechelen, sprinter da DSM que em Wollongong alcançou o bronze atrás de Herzog e Morgado, é um nome seriamente a ter em conta.
Do lado da Noruega, Stian Fredheim, da Uno-X, é outro rapaz com capacidade para intrometer-se nas lutas do sprint. Tendo já este ano sacado um quarto lugar na etapa final da Boucles de la Mayenne apenas suplantado por De Kleijn, Démare e Zingle.
Os alemães também têm flor que se cheire neste aspecto. Tim Torn Teutenberg, neste momento a estagiar na Lidl-Trek via Leopard, é um homem veloz como os seus dois top-5 no Giro Next Gen de 2023 o comprovam.