Saiam da frente: o meu nome é Cian Uijtdebroeks

O vencedor mais novo do Tour de l'Avenir. Cuidado, muito cuidado.

Saiam da frente: o meu nome é Cian Uijtdebroeks
Cian Uijtdebroeks de amarelo. Imagem que se vai repetir muitas vezes. (foto: twitter Tour de l'Avenir)

Há lá coisa mais interessante do que imaginar os próximos passos do vencedor do Tour de l’Avenir. Percebo que discordem, mas a meu ver é como se estivéssemos perante um filme de longa duração ou uma série de algumas temporadas. Agora que já todos conhecemos o protagonista, sentemo-nos confortavelmente. Cian Uijtdebroeks, 19 anos (feitos em Fevereiro), é o mais jovem vencedor da chamada Volta a França do Futuro. E esta mania de querer meter uma lupa nestes prodígios que cedo se anunciam é algo que provavelmente nunca foi tão excitante — e sim, já o fizemos com Tadej Pogačar, vencedora da prova em 2018.

Cian (leia-se Kian) é um nome irlandês que os pais decidiram dar-lhe embora não tenham qualquer relação familiar com o país — têm sim com a Áustria e com a Polónia. Uijtdebroeks tem sido, aliás, o primeiro em muitas coisas. Quando em Julho de 2020 assinou contrato com a Bora-Hansgrohe (depois de ser treinado com a Quick-Step e de ter reunido com inúmeras direcções de equipas World Tour) tornou-se no primeiro corredor nascido em 2003 a atingir tal feito. Isto depois de no dia 1 de Março — dois dias após ter celebrado 17 anos de idade — ter vencido a Kuurne-Bruxelas-Kuurne no escalão de juniores com um ataque a solo a mais de 50 quilómetros da meta na altura ainda ao serviço do seu clube de formação Acrog-Tormans/Balen BC.

A partir desse dia, quem anda atento nunca mais esqueceu este nome. Daí até onde estamos hoje — num tempo onde tudo é precoce e instantâneo — somaram-se vários resultados de nomeada, como o título de contrarrelógio belga em juniores ou o segundo lugar nos europeus na mesma categoria já ao serviço da Team Auto Eder — equipa de desenvolvimento da Bora-Hansgrohe. Em 2022, Cian correu já no plantel de elites da estrutura alemã, infiltrando-se várias vezes em top10 de corridas Pro.

Neste Tour de l’Avenir, apesar de ter perdido tempo na quarta etapa, marcada pela chuva — e que Tom Gloag venceria — foi dono e senhor da corrida assim que as chegadas em alto apareceram. Mais: venceu a camisola amarela, a camisola da montanha e a camisola da juventude. Ou seja, falamos de um domínio total do ciclista belga. Tem 1,85m, anda lindamente no contrarrelógio, parece ser um rapaz calmo, humilde e maduro… Isto tudo para dizer que me parece que estão reunidas todas as condições para ser um dos grandes nomes do ciclismo internacional nos próximos anos. E que venha de lá esse 2023 para o vermos rebentar com o World Tour — entretanto, suponho, a Bora deve renovar o seu contrato uma vez que este termina em 2024, se não o fizer cuidado. E que venham de lá esses mundiais.

Por último, convém estabelecer a comparação inevitável com Remco Evenepoel. A forma como atacou desde cedo nas subidas, como quis marcar diferenças largas, lembra-nos automaticamente do atual líder da classificação da Vuelta. E convém esclarecer: desde 1978 que a Bélgica não vence uma grande volta, na altura por Johan De Muynck, na Volta a Itália. Agora tem dois talentos, com idades relativamente próximas, que são bem capazes de o fazer. E a primeira pode já chegar dia 11 de Setembro, em Madrid.


O Avenir além de Uijtdebroeks: cinco corredores para não mais perder de vista

Esta competição teve mais do que Uijtdebroeks. Abaixo, deixo cinco nomes que me surpreenderam e que não seguem nenhuma regra de classificação geral ou aritmética particular. É só uma questão de avaliação pessoal e de gosto.

Michael Hessmann — Já aqui escrevi uma crónica sobre este rapaz (https://falsoplano.ghost.io/contra-o-relogio-e-contra-o-molho-de-tomate-sem-ervas/), mas admito que nesse momento não sonhava que o alemão terminaria este Tour de l’Avenir no pódio. Sim, não é um nome nunca antes escutado, já correu várias provas em elites com a Jumbo-Visma durante este ano, mas de facto aquilo que mostrou nestes dias é um nível acima do que antes havia acontecido. Foi camisola amarela por três dias e foi sempre daqueles que melhor conseguiu seguir Cian nas montanhas. Para alguém com 1,90 metros e 78 quilogramas cuja grande arma era o contrarrelógio, vai lá vai. Pode ter ganho asas pelo facto de estar de amarelo, mas a qualidade que Hessmann deixou na estrada é um grande prenúncio para o que se segue. Muita atenção.

Adam Holm Jørgensen vence a terceira etapa, na chegada a La Trimouille. (foto: twitter Tour de l'Avenir)

Adam Holm Jørgensen — Da Dinamarca já sabemos que vem quase sempre fruta da boa. Com apenas 19 anos, embora faça 20 na quinta-feira, Holm Jørgensen venceu a terceira etapa inserido na fuga e, no dia seguinte, o caótico dia chuvoso na chegada a Chaillac chegou com Tom Gloag, que o venceu ao sprint, e Hessmann, que chegou a três segundos. Isto é prova de que consegue sprintar — já tinha feito quarto lugar na Gent-Wevelgam sub-23, uma chegada em pelotão compacto onde só ficou atrás de Sam Watson, Kolzi Changizi e Valentin Retailleau —, tem um belo motor para desafiar o relógio em virtude também da sua altura: 1,91 metros. Está ao serviço da modesta equipa dinamarquesa da BHS - PL Beton Bornholm pelo que uma saída para outro nível em 2023 parece evidente. Uno-X?

Sebastian Kolzi Changizi — Outro dinamarquês, este sprinter, que parece ainda ter capacidade para estar com os melhores em algumas provas de um dia não muito exigentes a nível de altitude. Foi segundo classificado na camisola verde — apenas vencido pelo belo sprinter neerlandês já na primeira equipa da DSM: Casper Van Uden — e apesar de não ter vencido nenhuma etapa neste Avenir, provou ter velocidade de ponta e capacidade de posicionamento, fechando por três vezes no top 5, com dois segundos lugares. Está a estagiar na Cofidis até ao final do ano, vejamos se assina para 2023. Bem merece.

Archie Ryan — A Irlanda tem sido feliz no Tour de l’Avenir. Basta pensar que a primeira vez que ouvi falar do Ben Healy — que está a fazer um prometedor final de época na EF Education-Easy Post, é actual campeão de contrarrelógio irlandês e já foi campeão de estrada em 2020 — foi quando venceu uma etapa por aqui em 2019. A adaptação, para Healy, tem sido lenta, mas começa a dar frutos. Ryan é um trepador de muita classe, peso pluma, inserido na equipa de desenvolvimento da Jumbo-Visma desde 2020. Nesse ano, o top 10 na Ronde de l’Isard parecia adivinhar um futuro risonho para o irlandês. Depois disso, em 2021 praticamente não correu por problemas num joelho. E este ano apareceu a andar muito bem no Saska Tour, já em Agosto, prova ganha por Lorenzo Rota, fechando sexto à geral. Tem mais um ano de contrato para permanecer na equipa de desenvolvimento da Jumbo. É esperar para ver se alguém o pesca.

Davide Piganzoli — A seleção italiana chegava a este Tour de l’Avenir com poucas hipóteses de brilhar. A verdade é que os corredores que lá estiveram decidiram escrever outra coisa nesta página de história. Além da vitória de Lorenzo Milesi — actualmente na equipa de desenvolvimento da DSM — na derradeira etapa, Davide Piganzoli, campeão italiano de contrarrelógio em sub-23 foi dos melhores trepadores em prova. Quando, no Col de la Madeleine, na sétima etapa, Cian Uijtdebroeks decidiu rebentar com o que restava do grupo, o italiano estagiário na Eolo-Kometa foi dos poucos que mostrou sinais de estar vivo. Meteu o seu ritmo, bem alto, e foi segundo. No dia seguinte foi quarto e na última etapa fraquejou bastante, sendo apenas 24º e saltando então para o quinto lugar da geral final. Ainda assim, mostrou pernas e pulmões de um trepador sólido. Assim continue a evoluir e assim tenha oportunidades.