Quero o Wout com Aert
Foda-se Wout. Como perdeste isto? Ok, foi cãibras, agora és o Bettiol?

A vitória de Powless
Dia de trabalho, não pude ver a prova em direto. Acompanhei através dos grupos do WhatsApp do falso plano e dos Lingrinhas, em conjunto com o ProCyclingStats. Já tínhamos feito as nossas piadas — eu até tinha dito que o Wout ia oferecer a vitória e fui "maltratado" pelo Nuno Gomes. Eram 15h21 quando publicaram uma imagem do ProCyclingStats com o estado da corrida: o grupo da frente com 48 segundos de vantagem. Foi quando comentei "Powless vai imitar o Stannard na Omloop de 2015" (uma das minhas provas favoritas).

E aconteceu. Mesmo sem ver, apenas pelo que era escrito, festejei e fiquei contente. E nem sequer tinha o Powless na minha equipa da Fantasy. É para estes momentos que amo o ciclismo, pela imprevisibilidade. Como diz o Nuno: "Isto não é ténis". Se fosse, prevíamos o resultado mais facilmente. Nas próximas nove vezes que o Powless sprintar contra o Wout, pode perder, mas não desta vez. Mal podia esperar para chegar a casa e, depois do jantar, rever a prova e perceber como tudo aconteceu. Que emoção rever esses últimos 20 quilómetros!

A derrota da Visma
Mas depois vejo as imagens pós-prova, as entrevistas, a desilusão estampada no rosto do Wout e dos colegas. Tanto ele como Jorgenson falaram à imprensa. Wout van Aert errou — e logo na entrevista seguinte admitiu a culpa. Colocou-se diante dos microfones e câmaras e assumiu a responsabilidade pela derrota.
@eurosport_es Wout Van Aert asume toda la responsabilidad por su derrota en A Través de Flandes ◾️ "Yo pedí que preparasen el esprint" ◾️ "Tuve unos calambres brutales en la llegada" ◾️ "Necesitaba ganar, por las críticas y la mala suerte" ◾️ "Esto no es lo que soy yo" #LaCasaDelCiclismo #deportesentiktok #sportstiktok #ciclismo #cycling #woutvanaert #DDV25
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A vontade de vencer era imensa, especialmente porque nesta prova, no ano passado, sofreu uma queda que o afastou da luta pela Volta à Flandres, Paris-Roubaix e adiou a sua estreia no Giro para esta temporada. Além disso, ainda não venceu em 2025. Para um ciclista do seu calibre, sete meses sem vitórias (desde a Vuelta em agosto) devem ser profundamente frustrantes e a cada falha essa frustração só aumenta.
Enquanto isso, vê os seus principais rivais para Flandres e Roubaix a vencer monumentos e grandes provas. A equipa claramente queria dar-lhe esta vitória, mas a tática não foi a ideal — não digo isto apenas porque perderam, mas porque, com vantagem numérica, deviam ter atacado mais. Corriam o risco de oferecer a vitória a outro que não o Wout, mas podiam tê-lo colocado em posição de vantagem, desgastando Powless nos últimos 15 km.
Nas entrevistas, o belga assumiu a responsabilidade pela derrota. E como disse Miguel Branco após a vitória de Sheffield no Paris-Nice: "Um gajo às vezes esquece-se do que estes manos passam". É exatamente isso, Wout é humano, não é uma máquina. O corpo falha, a mente também, e os erros acontecem, como com qualquer um de nós.
Muitas vezes criticamos sem compreender nem 10% do que se passa na sua cabeça. Recentemente, vimos carreiras brilhantes desvanecerem-se — alguns por fatores externos ao ciclismo, outros por problemas dentro do ciclismo mas sem serem problemas físicos.
Que não seja esse o caso de Wout. Até agora, sempre me pareceu mentalmente forte, mas o que hoje parece uma simples derrota desportiva pode trazer batalhas mentais mais duras.

Wout van Aert
Ele ainda diz na entrevista: “For once I was thinking about myself…” , ok não acredito que tenha sido a primeira vez,
É um ciclista que deu tudo pela equipa. Talvez mais do que devia, talvez devesse ter sido mais egoísta em certos momentos. Mas entregou-se completamente à equipa, quando podia ter-se resguardado ou até ficar com as vitórias para si.
Em 2020, no Tour, dedicou-se totalmente ao Roglič. Teve o seu momento para brilhar claro, com vitórias de etapa, mas na montanha esteve sempre ao lado do líder, quando podia estar a descansar no grupeto.
Em 2022, na primeira etapa da Paris-Nice, ele, Roglič e Laporte escaparam-se na última dificuldade da etapa. Sem nunca antes ter vencido nesta prova, e sendo uma das estrelas da equipa, acabou por oferecer a vitória ao recém-chegado Laporte. E novamente com Laporte em 2023, na Gent-Wevelgem, os dois isolam-se a 50 quilómetros da meta. A certa altura já perto dos 30 quilómetros finais, Laporte quebra mas Wout espera por ele. Juntos, chegam à meta, e embora Wout fosse o mais forte e o verdadeiro líder, mesmo assim ofereceu a vitória – uma decisão que até hoje me custa aceitar.
Em 2022 e 2023 com Vingegaard, deu tudo no Tour de France, contribuindo decisivamente para as duas vitórias do dinamarquês na classificação geral. Quem viu não esquece o que fez na etapa do Hautacam em 2022: depois de estar na fuga do dia, quando foi alcançado, trabalhou até quase ficar parado na estrada – mas não sem antes desgastar e dropar Pogačar, deixando Vingegaard sozinho para a vitória. Em 2023 no Col de Joux Plane, repetiu-se a história: trabalhou até ao limite, ficando quase parado, mas incrivelmente, dois minutos e meio depois, já estava outra vez na frente do grupo a puxar a todo o gás.
Wout é um ciclista que parece não ter uma estrela a guiá-lo, tantos são os azares que o perseguem: quedas, furos em momentos cruciais. Todos esperávamos que fosse o grande rival de Mathieu van der Poel, que lutasse com ele ombro a ombro nos monumentos. E que nesta fase da carreira tivesse mais três ou quatro monumentos no palmarés – e Mathieu menos três ou quatro.
Mas a realidade é outra. Tem apenas a Milano-Sanremo de 2020 como único monumento – o que, claro, não é mau. Muitos ciclistas reformam-se sem nenhum, mas, para o talento que tem e as expectativas que criou, sabe a pouco.

Eterno segundo
Wout é conhecido como o "eterno segundo" – até nós, nos grupos de ciclismo, brincamos com isso. Sim "segundo" é o primeiro dos últimos, mas nesses dias, só houve um ciclista melhor que ele, ele foi melhor que o resto do pelotão.
Há situações emblemáticas, como no Dauphiné de 2022 quando na etapa 3, festeja antes da meta e Gaudu rouba-lhe a vitória. Mas também podemos comparar com Peter Sagan: tal como Wout, acumulou muitos segundos lugares. A diferença? Sagan não tinha um Mathieu van der Poel ou um Pogačar a dominar as provas que ele perdia – nem rivais tão incontestáveis a fazer-lhe sombra.
Azares e quedas
A queda no Tour de France 2019 deixou-o muito mal tratado – só regressou em dezembro, já na época de natal do ciclocrosse.
Mas as cicatrizes mais recentes vieram o ano passado na Dwars door Vlaanderen, quando uma queda violenta o afastou por quase dois meses. Voltou a tempo do Tour, ainda a subir de forma, mas sem conseguir uma única vitória de etapa. Na Vuelta, parecia renascido: três vitórias de etapa, o domínio da camisola verde e um prazer em estar a competir novamente. Já o imaginava em grande forma a lutar pelo Mundial. Mas não foi isso que aconteceu, voltou a cair com gravidade e ficou novamente de fora das discussões até ao fim da época, só voltando no ciclocrosse. Ainda ontem foram divulgadas fotografias da prova em que se vê as cicatrizes que tem no joelho direito.
E depois há os azares, esses pequenos detalhes que teimam em negar-lhe a glória. Quem esquece Roubaix 2023? Quando ataca e consegue uns metros de vantagem no setor de pavé e furou, para mim era o ano que ia ganhar Roubaix, estava tão bem, e teve esse grande azar.
Azares, quedas, detalhes cruciais. Parece faltar-lhe aquela ponta de sorte que separa os grandes campeões dos quase campeões.

Só espero voltar a ter o Wout, um dos ciclistas mais completos do pelotão. O ciclista que na mesma edição do Tour de France, vence uma etapa com dupla ascensão ao Mont Ventoux, um ITT e um sprint nos Champs-Élysées. Que no ano seguinte vestindo a camisola amarela do Tour ataca e vence isolado, que vence Pogačar e Van der Poel na E3, e que ia ao ciclocrosse para ganhar provas e não só ganhar forma.
E que seja já com pódio na Flandres. E que depois ganhe Roubaix.

Após isto digo, se se voltasse a repetir a mesma situação de derrota de 1 vs 3, neste momento, eu ia ficar feliz na mesma, ia festejar, porque isto é ciclismo, e é por isto que vejo ciclismo.