Quem será o próximo campeão do mundo de estrada sub-23?
Há muita gente interessada em partir a corrida. O que deve torná-la um fogo de artifício de belo efeito.
Do outro lado do mundo, os cangurus parecem agora criaturas dóceis e ponderadas. Os mundiais de ciclismo, que decorrem até domingo, dia 25 de Setembro, em Wollongong, Austrália, têm sido assaltados por uma onda de ataques aéreos de aves atrevidas, mais especificamente pegas — em inglês magpies. Que o digam Remco Evenepoel ou Bauke Mollema — este último foi atacado durante um treino e durante a prova de contrarrelógio misto. O que é certo é que independentemente das investidas do passaredo precisamos de um novo campeão mundial de sub-23. Algo que deve ser conhecido entre as quatro e as oito da manhã de sexta-feira, dia 23. Ou seja: palitos nos olhos.
Como já sabemos, esta é uma prova sem participação portuguesa, uma vez que nenhum corredor português se apurou para a mesma, algo que tendo em conta a decisão da Federação Portuguesa de Ciclismo de não levar nenhuma atleta feminina à prova de elites nem de juniores e de optar por não ocupar as seis vagas em elites masculinos — justificando-se com os elevados custos logísticos inerentes a uns mundiais que se disputam muito longe da Europa — até parece ter vindo em boa altura. De alguma forma, é um alívio: assim podemos torcer por quem quisermos sem estarmos agarrados a patriotismos.
O percurso é bastante mais soft do que aquele que é feito na prova de estrada de elites. São quase menos 100 quilómetros — 268 em elites; 170 em sub-23 — embora o percurso mantenha semelhanças evidentes. A maior diferença é talvez o facto de os mais novos não passarem pelo trabalhoso Mount Keira, mas depois disso aqui vão eles: dez passagens pelo Mount Pleasant. É difícil acreditar que as nove voltas no circuito, com incursão obrigatório numa ascensão curta mas inclinada — 1.1km a 8.8%; com várias zonas acima dos 12% e uma zona de cem metros a quase 17% —, seja coisa prazerosa, mas ele há gostos para tudo. Na última vez que passam pelo cume estarão a 8,5 quilómetros da meta.
Tudo vai decidir-se com base neste pico, quantas vezes as pernas vão resistir a pendentes tão elevadas. Tendo em conta a startlist, é relativamente expectável que a corrida seja controlada pelos blocos mais interessados num ritmo mais baixo, para levar os seus homens mais rápidos à disputa do título mundial. Olav Kooij, ao serviço dos Países Baixos, é o nome que mais desponta neste núcleo de talentosos corredores. Com apenas 20 anos, o sprinter neerlandês soma já 14 vitórias em 2022 e isso faz com que seja um dos maiores tesouros do ciclismo mundial. Acresce ainda o facto de ter uma selecção montada em seu torno, com os irmãos Van Dijke — que muitas vezes são os lançadores de serviço de Kooij na Jumbo-Visma e parte essencial do seu comboio —, Axel Van der Tuuk, homem rápido com passagem pela equipa de desenvolvimento da Jumbo-Visma, e ainda Casper Van Uden, camisola verde no Tour de l’Avenir e vencedor de uma etapa. A grande questão para Kooij é a mesma de que para a maioria dos sprinters aqui presentes: vão conseguir superar o Mount Pleasant tantas vezes? Não parece tarefa nada fácil.
Casper Van Uden, Sebastian Kolze Changizi (Dinamarca), Samuel Watson (Grã-Bretanha), Jensen Plowright (Austrália), Dries de Pooter (Bélgica), Paul Penhoët (França), Søren Wærenskjold (Noruega), Luke Lamperti (Estados Unidos da América) e Nicolas David Gómez (Colômbia) são os sprinters com maiores credenciais que se apresentam na linha de partida. E olhando para este lote parece existir quem também se adapte bem a este tipo de traçado. Samuel Watson, por exemplo, mostrou no Tour of Britain que consegue passar dificuldades relativas — e a sua vitória na Gent-Wevelgam de sub-23 também o prova; convém não esquecer que falamos do vice-campeão britânico de 2022, apenas batido por Mark Cavendish. Søren Wærenskjold vem motivadíssimo com o ouro no contrarrelógio e vejamos se consegue adaptar-se ao perfil da prova. Dries de Pooter venceu já este mês a primeira etapa da Flanders Tomorrow Tour num dia em que tinham dupla ascensão ao Kammelberg, parece em forma. No fundo, todos estes corredores já demonstraram numa ou noutra ocasião, uns mais do que outros, ter alguma capacidade para despir a sua pele de sprinter e vestirem-se de atributos diferentes. Mas uma coisa são dois ou três muros nos últimos 30 quilómetros da etapa, outra são dez passagens numa subida que por muito curta que seja, é profundamente dura.
É por isso que julgo que os corredores com maiores andamentos para subir, que não precisam de ser propriamente puros trepadores, mas que sejam ofensivos, que aguentem ritmos altos e que consigam rolar bem no resto do circuito de Wollongong, serão os maiores candidatos à vitória. Na selecção francesa há dois nomes evidentes: Romain Grégoire e Bastien Tronchon. O primeiro é, de longe, um dos melhores sub-23 do mundo. Tem vitórias no Giro Baby e na Volta a França do Futuro, é ousado, irrequieto, é capaz de produzir ritmos bastantes elevados durante bastante tempo e tem ponta final. Dificilmente alguém nesta startlist junta melhores características do que ele para este traçado. Relativamente a Tronchon é um rapaz num momento de forma que é de ter em conta. Aos 20 anos, venceu uma etapa na Volta a Burgos num ataque explosivo que o fez sprintar para a vitória ao lado de Pavel Sivakov. E recentemente no Skoda Tour andou sempre ao ataque, sempre com sede, sempre a agitar a corrida.
A Alemanha é outra selecção com um bloco muito interessante. Michel Hessmann dispensa apresentações. O terceiro classificado do Tour de l’Avenir adapta-se lindamente a este terreno, resta saber se ainda vem com as pernas do final de Agosto. Felix Engelhardt (BikeExchange Jayco para 2023 e 24), Maurice Ballerstedt (campeão alemão contrarrelógio em sub-23 e parte da Alpecin-Deceuninck) e Hannes Wilksch (membro da equipa de desenvolvimento da DSM, sétimo lugar no Giro Baby e no Tour de l’Avenir, vencedor da classificação da montanha no Tour de l’Ain) compõem o resto da fortíssima equipa alemã que tem inúmeras possibilidades tácticas. Tanto pode jogar com múltiplos ataques espaçados, como pode ir endurecer a corrida com roladores de excelência como Ballerstedt, Hessmann e Engelhardt para um ataque do belo trepador Wilksch ou até do próprio Hessmann.
Vejamos também aquilo de que é capaz a Dinamarca. Jacob Hindsgaul, da Uno-X, correu praticamente o ano todo com a equipa de elites e aos 22 anos sagrou-se, logo a abrir o ano, o vencedor da Volta a Antalya. É um corredor versátil, que sobe bem, que pode ter uma palavra a dizer. Adam Holm Jørgensen, vencedor de uma etapa e de um segundo lugar na Volta a França do Futuro, é também um nome que reúne algumas expectativas. O facto de rolar muito bem e de ter ponta final são dados importantes, resta saber se vai conseguir subir o Pleasent sempre com os melhores.
Outro candidato evidente, dentro da selecção belga, é Lennert Van Eetvelt. Foi segundo no Giro Baby, foi obrigado a desistir do Tour de l’Avenir por Covid-19, mas é, obviamente, um dos grandes sub-23 da actualidade e um all-rounder que tem tudo para se vingar desse infortúnio devido a doença. A falta de ponta final pode, no entanto, ser-lhe prejudicial se não conseguir demarcar-se dos mais directos concorrentes como Tronchon ou Gregoire. O mesmo podemos dizer de Leo Hayter, que venceu o bronze na prova de contrarrelógio, que tem talvez mais capacidade de sprintar do que Eetvelt, mas que em caso de chegar um grupo reduzido não será o favorito a vencer — bom, depende sempre do grupo que chegar, claro.
Dentro da Itália, que convém dizer não parece ter a pujança de outros anos, há no entanto dois nomes que sobressaem. Francesco Busatto, um trepador peso pluma que obteve um segundo e um terceiro lugar em etapas no Giro Baby, e Davide De Pretto, um ciclista ofensivo que gosta de corridas de um dia e que vem de um terceiro lugar nos europeus disputados em Sangalhos.
Prova essa que reúne no seu top-5 três nomes que me parecem obrigatórios incluir na lista de possíveis vencedores: Mathias Vacek (ex-Gazprom, hoje na Trek-Segafredo, vencedor de uma etapa no UAE Tour, em Fevereiro); Erik Fetter (o húngaro que já corre na primeira equipa da EOLO-Kometa) e Matevž Govekar (esloveno da Bahrain-Victorious que venceu uma etapa na Volta a Burgos).
Yevgeny Fedorov — cazaque ao serviço da Astana que ainda nesta Vuelta esteve e muito bem ao serviço de Miguel Ángel López — é outro dos nomes que precisamos de registar antes do arranque da corrida. Quanto à selecção espanhola… é difícil imaginar um bom resultado. Jokin Murguialday, Miquel Pau, Enekoitz Azparren, Raúl García Pierna e Iván Romeo são miúdos com talento, mas talvez ainda não ao nível dos melhores desta startlist. Quem sucede a Filippo Baroncini?