Porque é que o Arjen Livyns é o meu ciclista favorito

A escolha de um corredor favorito no ciclismo é tudo menos concreta.

Porque é que o Arjen Livyns é o meu ciclista favorito
Arjen Livyns (Bingoal Pauwels Sauces WB) no Tour de Flandres 2022

A escolha de um corredor favorito no ciclismo é tudo menos concreta. Nem sempre torcemos por quem vence, nem sempre torcemos por quem desafia o principal sprinter. Às vezes é o ciclista mais inesperado que, sem saber bem porquê, se transforma no nosso ídolo. E é isso que aqui abordo.

Que me perdoem os puristas pelo título deste espaço que aqui inauguro. Ciclista é quem anda de forma amadora. Quem compete é chamado corredor. E agora, que me perdoem Tadej Pogačar, Jonas Vingegaard, João Almeida e o cowboy de Pegões. Mas o meu corredor favorito é o Arjen Livyns.

Para quem não conhece o currículo, tem à data a que escrevo:  31.º na Volta a Flandres; é seguido pelo Wout van Aert no Instagram; ganhou o prémio dos sprints intermédios no Tour do Benelux, onde recebeu alguns barris de cerveja pelo feito e é um ciclista simpático.

Recuo por isso a 1997, a dois dos mais felizes dias da minha vida, tinha o Arjen Livyns três anos, a caminho dos quatro. A Volta a Portugal terminou em Abrantes (eu torcia pelo Cândido Barbosa mas quem ganhou foi o Fabrizio Guidi, ao sprint). No dia seguinte, a etapa começou em Abrantes e a minha família voltou a levar-me, desta vez para ver o pelotão partir. Levei o meu caderninho e a página do desportivo com os dorsais e respetivos nomes e pedi autógrafos. E disse, ao vislumbrar o Pedro Lopes, do Tavira, que tinha caído no dia anterior: “Olha mana, é aquele que todos os dias cai”. E o Pedro Lopes fez-me uma festa na cabeça, tirou uma fotografia e riu-se. E lá foi ele. Sempre em fuga, sempre sem conseguir ganhar nada de jeito.

E é por isso que gosto do Arjen Livyns. Porque o vi em fuga, porque sofri com ele através da televisão, porque o vi ser absorvido várias vezes pelo pelotão. Esse tipo de relação afetiva, de torcer por um fugitivo condenado pela serpente a pedal que aí vem com um Tim Declerq ou um Tony Martin a puxar, é o que nos prende ao ciclismo.

Em abril deste ano, consegui ir ao Tour de Flandres. Mas primeiro, no dia anterior, fui ao museu do ciclismo em Oudenaarde, que consagra as lendas que Flandres já viu e onde a Volta a Flandres iria terminar.

Centrum Ronde van Vlaanderen, Oudenaarde
Centrum Ronde van Vlaanderen, Oudenaarde

Se nunca foram, tentem, por favor. Vemos lá legado da era de Merckx, mas também podemos ver a camisola de campeão do mundo de Peter Sagan ou a bicicleta com que Benoot conquistou a Strade Bianchi. E a Ronde van Vlaanderen… Bem.

São milhares de fãs de ciclismo, que entre uma cerveja e um cachorro, ajudam a sentir o que é amar um desporto, ver um ídolo na estrada, puxar pela equipa favorita, sentir um pelotão, ter o Cancellara a passear entre o público, ver gente a acampar para guardar lugar na colina favorita.

Pela primeira vez na vida acordei dez minutos antes do despertador e às 7h30 já estávamos de pé, eu e a minha namorada, uma recém iniciada nesta loucura do ciclismo, para podermos ver a apresentação das equipas, com um bonito cartaz a desejarmos força ao Rui Oliveira e ao Benoot.

Um a um, desfilaram os nossos monstros do pavê a caminho do palanque. Sorriu o Küng com o apoio e os aplausos, sorriu o Degenkolb, vi os italianos saudarem Bettiol com os libertos saudariam Espártaco, o Rui Oliveira a ouvir dois portugueses histéricos, os neerlandeses a virarem o boneco ao verem Mathieu Van der Poel e Pogačar a ser amado como já não se ama desde os tempos de Pedro e Inês.

Stefan Küng (Groupama - FDJ) foi 5º no Tour de Flandres 2022

E claro, os belgas a irem à loucura com os seus representantes (em especial os naturais da Flandres). De repente, dou por mim a ver parar o Arjen Livyns mesmo ao meu lado. Parou e tinha a família na partida, a tornar humano um deus das fugas sem sucesso. E falou com os fãs. Ou com o fã, um português de panamá e doente por ciclismo. A cinco minutos de começar a prova mais importante um belga de Waregem parou para abraçar a família e aturar um português, ainda deu um chapéu a um miúdo e lá seguiu ele, pronto para qualquer fuga que Mathieu Van der Poel permitisse.

Foi 32.º nesse dia mas o que importa? O Ciclismo para mim é isto.

Diogo Kolb