O que é o novo sistema de despromoção?

Goste-se ou não, esta nova brincadeira veio para ficar.

O que é o novo sistema de despromoção?
Simon Yates foi a Castilla y León buscar pontos e procura na Vuelta a salvação da sua equipa (foto: Salamanca24)

Como funciona o sistema?


O sistema de atribuição de licenças World Tour (WT) com base no mérito desportivo foi anunciado em 2018 pelo presidente da UCI, David Lappartient, para entrar em vigor a partir da época 2020 e sendo válido até à temporada 2028.
Consiste num ranking trianual que tem por base o desempenho de todas as equipas profissionais nesse período e que premeia as 18 melhores com uma licença WT válida para os próximos 3 anos. Ou seja, as 18 equipas que somarem mais pontos entre 2020 e 2022 terão direito a serem WT entre 2023 e 2025, assim demonstrem a sua intenção de o fazer junto da UCI.
Cada equipa soma anualmente apenas o total de pontos alcançados pelos seus dez melhores ciclistas e é o total de pontos adquiridos nos três anos que depois serve para a comparação com as restantes.
Junto com este modelo veio uma outra novidade que consiste na atribuição de convites para todas as corridas WT às duas melhores equipas não WT da época anterior — este ano ocupados por Alpecin-Deceuninck e Arkéa-Samsic. E ainda convites para a terceira melhor equipa não WT — em 2022 foi a TotalEnergies — para todos os eventos de um dia. Convém dizer que aceitar ou ou não estes convites é algo que está do lado das equipas — por exemplo, a Arkéa renunciou ao seu convite para a Volta a Itália este ano — e que aqui as contas se fazem anualmente e não em triénios.

Onde estão os pontos?


Todas as corridas profissionais, desde a Volta a França até à Volta a Portugal, têm pontos disponíveis para o ranking UCI, com as devidas distâncias na pontuação.
Existem vários níveis de corrida e os pontos disponíveis diminuem com o nível da mesma. Começa pelo Tour (1000 para o vencedor), seguidos de Giro/Vuelta (850), depois nível 1WT (500), 2WT (400) e 3WT (300). Saindo do WT temos a ProSeries (200), Continental 1 (125) e Continental 2 (40).
As gerais das corridas por etapas e as provas de um dia alocam o mesmo número de pontos ao vencedor (ou à mesma classificação), assim sejam provas do mesmo ranking, o que quer dizer que vencer o Paris-Nice ou o GP Quebéc dá os mesmos pontos: 500.
Além disso, outra “falha” normalmente apontada é a pouca valorização dada às vitórias em etapas. Uma vitória no Tour dá 120 pontos (no Giro/Vuelta 100 e nas restantes provas WT 60/50/40 dependendo do escalão) o que é menos do que ganhar uma clássica de Continental 1 — como o Trofeo Calvia ou a Classique Loire Antlantique — sendo que a dificuldade associada e a concorrência são incomparáveis.
Para uma noção mais clara de quanto vale cada corrida e que corridas estão em cada classificação, nada como visitar este gráfico esclarecedor, disponibilizado e realizado pelo site do Lanterne Rouge.

Como está a luta?

A faltarem menos de dois meses para o fim desta temporada e do respetivo triénio, a luta está acesa e temos equipas históricas em risco de descida. Isto deve-se ao facto de duas equipas continentais terem nestes três anos marcado muito mais pontos e consequentemente terem já praticamente garantida a sua licença para 2023-2025. A Alpecin de Mathieu Van der Poel e a Arkéa de Quintana, que caso perca os pontos conquistados na Volta a França — foi desclassificado pelo uso indevido de tramadol — pode voltar a ter de fazer contas.
Estas duas equipas entrarem tem a consequência óbvia de duas terem de sair. Neste momento a luta está entre BikeExchange Jayco, EF Education-EasyPost, Movistar, Lotto Saudal e Israel-Premier Tech, sendo que esta última está praticamente condenada.
A Movistar e a BikeExchange têm muitas fichas apostadas no resultado desta Vuelta por Enric Mas e Simon Yates, enquanto que a Lotto se foca nas clássicas e corre às cavalitas de Arnaud De Lie (que sem ter qualquer ponto em provas WT é 10º classificado individualmente) e a EF tenta usar o seu plantel versátil para ir marcando pontos em várias corridas. Teremos uma discussão acérrima até às ultimas corridas de Outubro.
Convém relembrar que mesmo ficando sem licença WT, as duas melhores classificadas da época 2022 têm direito a wildcard para todas as provas WT em 2023. Aqui entram na luta as equipas que ficarem de fora das acima referidas e é preciso juntar a TotalEnergies que destas equipas neste momento só está atrás da Lotto Soudal no ranking anual.
Se quiseres seguir diariamente esta luta, podes sempre consultar o ranking trianual aqui e o ranking anual aqui.

Ranking trianual ao dia 26/08 (foto: ProCyclingStats)

Qual o efeito deste método no ciclismo?

Tem sido muito discutido o interesse da introdução deste método para o ciclismo. Algumas vozes importantes como Simon Yates ou Andre Greipel já se manifestaram abertamente contra o sistema, provavelmente influenciados por a fava poder calhar-lhes — Yates está na Bike-Exchange e o "Gorila" esteve oito anos ligado à estrutura da Lotto nas suas mais diversas configurações.
Esquecendo as melhorias que se poderiam fazer ao nivel da distribuição de pontos, vamos tentar fazer aqui um balanço dos prós e dos contras que esta novidade nos trouxe.

Prós - Jamais teríamos falado tanto de equipas que estão a ter maus desempenhos se não existisse este foco de interesse relacionado com a possível despromoção. Isso é bom para os patrocinadores e bom para retirar o foco totalmente das equipas dominadoras. Há uma maior visibilidade e importância dada às corridas não WT. Esta luta promove mais dias de interesse para os fãs de ciclismo, pois está algo em disputa em provas que normalmente não atraiam espectadores. Há uma real meritocracia na atribuição das licenças com base nos resultados desportivos e não só na vertente financeira. Existe uma maior valorização de ciclistas bons, regulares mas pouco ganhadores. E incentiva as equipas a atacar mais do que uma frente e não se limitarem a ser focadas em torno de um líder.

Contras - O corredores de topo estariam fora das principais corridas para terem acesso facilitado a pontos — não teríamos De Lie, Campaenerts e Ruben Guerreiro na Vuelta caso as suas equipas não estivessem nesta situação? Pode incentivar a uma corrida mais conservadora, procurando mais garantir um top10 do que arriscar tudo na vitória, criando uma desigualdade na liberdade em prova entre ciclistas que estão em equipas a necessitar de pontos e os restantes. Uma maior dificuldade em bons ciclistas assinarem contratos longos com equipas nesta luta pois não se querem arriscar a estarem fora do WT. E menos oportunidades para jovens nestas equipas, pois a garantia dada pela experiência e o fator de só dez ciclistas contarem por época desincentiva ao lançamento de jovens durante o ano.

Ruben Guerreiro vence a clássica do Mont Ventoux e soma 125 preciosos pontos para a EF (foto: TopCycling) 


Conclusão Pessoal

Embora este seja o primeiro ano em que o tema está a ser discutido, eu tenho gostado dos resultados. Mais interesse em várias provas, mais um assunto de discussão para os fãs e um sistema meritocrático que premeia quem se mostra melhor onde interessa: na estrada. Acho que o sistema de pontuação está sobejamente desequilibrado e que se podiam criar algumas ferramentas para evitar injustiças mas a ideia geral é boa e traz mais interesse a uma modalidade em crescimento.

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