Ruben Guerreiro: "Precisava de uma equipa onde as coisas fossem preto no branco"

A nova estrela da Movistar quer ser a nova estrela da Netflix. "Dizem por aí que eu tenho uma veia artística", afirma. Tour ao lado de Enric Mas, Ardenas e voltas de uma semana são os outros grandes objectivos para 2023.

Ruben Guerreiro: "Precisava de uma equipa onde as coisas fossem preto no branco"
Ruben Guerreiro à espera do melhor ano da sua carreira. (fotografia de Lourenço Graça)

O ponto de encontro para a entrevista foi pensado ao detalhe: um parque de estacionamento esburacado. “O pavê não é comigo”, apressou-se, no entanto, a esclarecer. É um dos mais consistentes corredores portugueses dos últimos tempos e a partir de 2023 vai estar a correr pela Movistar, com quem assinou um contrato até 2026. Saiu da EF Education-EasyPost com tudo em pratos limpos, almejando uma liberdade distinta, um lugar de maior protagonismo. Quer experienciar outra forma de trabalhar, onde tudo está claro como água e onde não há, como se costuma dizer, quatro líderes a um osso. Na Movistar, vai estar ao lado de Enric Mas na Volta a França, e tem como grande objectivo da temporada as Ardenas, nomeadamente a Flèche Wallonne. A isso juntam-se as provas de uma semana, que a equipa espanhola tanto frequenta no seu país, onde também deverá cumprir a sua primeira prova do ano. Além disso, quer brilhar na série da Netflix, El día menos pensado.

Ruben Guerreiro, sem acento, fala com uma maturidade que admite antes ter-lhe escapado ou demorado a chegar. Nos primeiros tempos na Trek e na passagem pela Katusha, o corredor estava ainda à procura de si, a descortinar a sua voz interior, os canais de comunicação com as suas pernas. Hoje um corredor totalmente concentrado em superar-se, sedento de vitórias. O passado num contexto rural como é Pegões Velhos, onde a falta de movida e de agitação são injectores de outros desejos e paragens, fez Ruben Guerreiro aquilo que é. Primeiro os escuteiros e o futebol, depois as bicicletas, o BTT, a transição para o Alcobaça em juniores, o cruzar do Atlântico para a Hagens Berman Axeon em sub-23, e depois aquilo que sabemos. O cowboy de Pegões está de pistola carregada. Tenham medo.

Podemos esclarecer isto de uma vez: o teu nome escreve-se com ou sem acento?

É sem acento. 100% português.

Porque se fosse com acento podia ser…

Francês, espanhol, sei lá, uma coisa qualquer.

Agora estás em Portugal. Costuma ser assim? Quando é que estás cá e quando é que estás em Andorra?

Durante a época, basicamente de Janeiro a Outubro, estou sempre fora. Salvo umas raras excepções, depende também do calendário. Por exemplo, este ano na Volta a França tive o infortúnio de vir mais cedo e então passei mais tempo do Verão em casa, também para recuperar melhor da queda e para preparar outras corridas. Mas normalmente são dez meses em Andorra e agora nesta pausa para férias estou por aqui, aproveito um bocado o Inverno português que é melhor que o andorrano.

Dizias há pouco que tens treinado pela zona da Arrábida. Fala-me um bocado desses treinos.

Sim, eu vivo pela zona da Margem Sul, e então aproveito ali a Arrábida para meter um pouco de trabalho de subidas e fazer tempo. Nós temos treinos de três a seis horas e então temos de ocupá-los com distâncias mais longas e a Arrábida enquadra-se bem neste tipo de treino inicial, de subidas mais curtas. Ao mesmo tempo, gosto de aproveitar as planícies da Margem Sul, como o Montijo, Alcochete, Pegões, Vendas Novas, um pouco já ali na entrada do Alentejo, para somar o máximo de quilómetros possível nesta altura de Inverno.

E depois lá para Janeiro, Andorra.

Sim, em princípio, também depende um bocado do clima, porque Janeiro em Andorra pode ser um mês com muita neve e assim é impossível treinar. Nesse caso desloco-me até ao sul de Espanha, Sierra Nevada neste caso, e aproveito já para fazer altitude como forma de preparação para as primeiras corridas do ano. Às vezes também costumo treinar por Granada, que costuma ter bom tempo. Mas agora com a Movistar até podemos ir para Maiorca, não sei.

Já está definida com a equipa a calendarização para os meses de preparação?

Agora temos um estágio em Dezembro. 10 a 22 de Dezembro, na zona de Alicante. Em Janeiro, ainda não sabemos bem, vai ser tudo definido depois deste estágio. Mas para mim, um ciclista de montanha com ambições à primeira corrida do ano, posso garantir que essa preparação vai ser feita em altura, numa montanha.

Primeira corrida do ano significa que vais estar na Santos Tour Down Under?

Não, não. Ainda não sei qual será a primeira corrida para mim mas provavelmente em Espanha, país onde o número de provas é enorme, talvez até em demasia, é por isso que a equipa não faz qualquer tipo de prova aqui em Portugal, para muita pena minha, nem a Clássica da Figueira, nem a Volta ao Algarve, isto porque têm a Volta à Andaluzia, a Volta à Colômbia, UAE Tour, corridas em França e, portanto, deverá ser por aí.

Sempre de olhos postos nos rivais. No pelotão diz que não tem amigos, só colegas que respeita. (fotografia de Lourenço Graça)

Numa das tuas primeiras declarações como corredor da Movistar, aquando do anúncio da transferência, dizes que a equipa espanhola é uma das tuas equipas preferidas desde jovem. Isto parece um bocadinho aquela declaração que os jogadores de futebol também fazem sempre embora ninguém acredite. Gostas mesmo da Movistar desde o tempo da Banesto? Ou ficaste mais fã depois de ver o Soler trabalhar para o Roglic?

[risos]. Isso realmente é bem interpretado da tua parte. Mas de facto sempre foi uma das minhas equipas preferidas desde pequeno. Não me lembro da Banesto a correr, mas desde as alturas do Valverde, quando o Valverde começou a ser Valverde.

Isso devia ser já Caisse d’Epargne.

Lembro-me de uma vez que ele ganhou ao Armstrong [Etapa 10, Volta a França 2005; Valverde corria na Illes Balears-Caisse d’Epargne], ainda que fosse mais novo. Depois claro, lembro-me de o Rui Costa fazer grandes feitos. Eu em sub-23, digamos assim, posso dizer que era uma das minhas primeiras opções, mas tive a proposta da Trek e foi para aí que fui encaminhado. Ficou sempre aquela…

…aquela ideia de “isto podia ter acontecido”.

Exactamente. E agora foi possível, mesmo que numa fase menos boa deles. Mas para mim enquadra-se, maravilha.  

O que é que te prometeram? Ou, se quisermos fazer a pergunta de outra maneira, o que é que tu exigiste?

Não exigi nada. Há interesses de parte a parte, eles falaram-me do que podia ser dentro da equipa, eu falar não falei muito, gosto de mostrar na estrada. Mas mesmo com 28 anos acredito que ainda possa evoluir muito mais tal como mostrei este ano e eles esperam isso, esse crescimento.

Mas o que perguntava era outra coisa, ou seja, quando há essa abordagem por parte das equipas não há logo uma série de cláusulas que um corredor deixa bem claras? Algo ao estilo: eu vou, mas gostava de fazer esta corrida e aquela.

Sim, sim, claro, há sempre essa abordagem. É evidente que tem de existir uma base de delineamento entre o corredor e a equipa e eu posso dizer que um dos motivos pelos quais fui para a Movistar é que me dão alguma liberdade em termos de corridas de uma semana e de Ardenas, não têm homens para as Ardenas, têm homens fortes como o Aranburu e como o Serrano, puncheurs muito bons, têm o Enric que pode sempre fazer clássicas importantes, mas para disputar e ganhar é diferente. Eu mostrei este ano com o sétimo lugar na Flèche Wallonne, pode ser por aí. Querem dar-me essa confiança e liberdade nas Ardenas e em provas de uma semana, Volta à Catalunha, País Basco, Tirreno-Adriático. Não me falaram em Volta a Itália, com pena minha, porque gostaria de fazer o Giro, mas ficou sempre ali uma coisa mal resolvida com a Volta a França e eles propuseram-me estar com o Enric.

Com o líder.

Sim, é o líder para grandes voltas, para tentar acompanhar esta nova geração, bater-se taco a taco com Pogačar e Remco, é o homem em que eles têm mais confiança. E têm de ter uma estrutura atrás, braços direitos, homens que estejam com ele. Mas é isso, a Volta a França é para estar com o Enric e quem sabe um pouco mais.

Se a ideia é ajudar o Mas na Volta a França acreditas que te vão dar a liberdade que parece ter sido o motivo pelo qual saíste da EF? Entendo que uma época não é só Tour, mas ainda assim…

Na EF a filosofia também era diferente. Este ano posso-te dizer que para eles no Tour havia quatro líderes, para mim isso não faz sentido.

Faz-te confusão?

Faz. Eles podem dizer que é o sistema de pontos e que por isso correram de forma diferente, mas esta realmente é uma equipa tão liberal em que toda a gente tem liberdade para certos e determinados objectivos que se calhar vão estar ali líderes a fazer terceiro, quinto, sexto, sétimo e ninguém ganha. E eu precisava de uma equipa onde as coisas fossem preto no branco. Ou é uma coisa ou é outra. E por isso também a minha ida para a Movistar. Não é para fugir ao Carapaz ou isto ou aquilo, é mesmo para ter outro tipo de experiência e trabalho. E se tiver de ajudar o Enric no Tour ajudo, e com certeza vou ter também as minhas oportunidades porque me desenrasco bem em subidas curtas e numa chegada com dez ou quinze trepadores bons acho que tenho uma palavra a dizer a sprintar. Quem sabe se não acabo por conseguir fazer uma geral a ajudar o líder. Na EF não sei se isso era possível.

É factual que houve interesse de outras equipas. Imagino que não possas dizer quais. Mas o facto de a Movistar te dar um contrato de três anos, para ti que apesar de tudo já tens 28, foi determinante?

Houve algumas abordagens de outras equipas, sim. É bom sinal, é sinal de que o trabalho está a ser bem feito. Digamos que as equipas estão loucas e com a moda de assinar por quatro ou cinco anos com jovens. Eu sou um ciclista com 28 anos e com um palmarés menos rico como muitas estrelas, tenho duas vitórias, duas classificações, mas não sou um corredor com 20, 30, 40 vitórias. Sou um corredor com 28 anos e em progressão e acho que isso foi bem visto para as equipas, mas é claro que essa estabilidade de três anos que a Movistar me ofereceu foi fundamental para assinar.

Estás ansioso por ser protagonista numa série da Netflix?

Dizem por aí que eu tenho uma veia artística. [risos]

Ai sim? Posso saber em que área?

Não sei, descubram vocês, vão vendo. Acho que a Netflix é sempre bem-vinda, esta é uma modalidade que tem cada vez mais de ir ao encontro das pessoas, iPad, telemóveis, televisão, a Netflix é sempre bem-vinda, quem é que não gostaria? Muitos se calhar não gostariam, mas eu gosto de entrar nessas novelas e cinemas e tudo e mais alguma coisa.

Quando pendurares a bicicleta quem sabe seres actor, é isso?

Quem sabe… Agora estou mais preocupado na próxima série da Netflix. [risos]

Campeão nacional de elites em 2017, Ruben Guerreiro espera regressar a essa competição em 2023. Vejamos se o calendário o permite. (fotografia de Lourenço Graça)

Muito bem, vamos com certeza sonhar com um Emmy para Ruben Guerreiro. Mudando de assunto: disseste numa entrevista recente à Pro Cycling Magazine (PCM) que quando ganhaste o Mount Ventoux Challenger estavas na forma da tua vida. Mais do que no Giro 2020?

Acho que sim. Não sei se era da minha vida, era uma forma muito boa, porque realmente no Giro estava com 26 anos, estava numa forma muito boa, ganhei a camisola da montanha e uma etapa, mas senti que ainda tinha mais para evoluir, não estava no meu pico. E este ano sinto que foi fruto de um trabalho contínuo, sem grandes lesões nem problemas de saúde, que me têm vindo a afectar ao longo dos últimos anos. O ano passado estava numa boa forma no Giro, em 2021, e tive de ir para casa com duas costelas partidas. Foi pena, acho que naquela última semana podia evidenciar alguma da minha forma na alta montanha que ainda se estava a descobrir. Mudou-me completamente a época. Na Volta a França fiz 18º mas não ia nas minhas melhores capacidades. Este ano senti que foi uma trajectória mais em crescendo, que foi interrompida pela queda na Volta a França, mas a verdade é que as bases estão aí e prontas para serem reveladas de novo em 2023.

2022 é, apesar de algumas contrariedades, um ano francamente positivo. Mount Ventoux Challenge, pódio na Volta a Alemanha, sexto na Volta a Burgos e levas a camisola dos pontos, 7.º na Fleche-Wallone, 9.º no Dauphiné, trocaste uns amassos com Küng…

Não, não lhe cheguei a dar. Eu sou completamente contra a violência e mesmo parecendo que sou cowboy e ando aos amassos… Isso já deixei há muito tempo, isso era no tempo da escola, sou uma pessoa muito calma. Claro que ali foi um assunto um bocado quente na altura, é Volta a França e toda a gente quer estar bem posicionada, tivemos os dois azar porque fomos filmados naquela altura. Tinham-se passado muitas coisas piores do que aquelas por razões semelhantes, a Volta a França é mesmo de loucos. Mas passado um bocado já estávamos a falar novamente.

Continuam amigos, então.

Amigos, amigos, não que eu não tenho amigos ali, mas colegas bem relacionados com respeito mútuo.

O facto de não teres amigos ali é uma espécie de filosofia?

É o meu carácter. É um meio tão competitivo… amigos, amigos, negócios à parte.

Ficou a faltar o Mundial. O que é que se passou afinal? A equipa não te deixou ir?

Acho que foi tudo um bocado estranho. Não liguei os meus meios de investigação, talvez um dia vá saber. Durante o ano também tive algumas coisitas nos bastidores…

Com a equipa?

Umas coisitas, mas ficou tudo resolvido, eu não guardo rancores de ninguém, agradeço a toda a gente por me ter ajudado. Mas sim foram umas coisitas, eu sei que a selecção e sobretudo o seleccionador nacional José Poeira tinha muito interesse em levar-me, tudo fizemos para que fosse. A equipa disse para eu ir para a Europa e eu na altura estava no Canadá, com voo marcado directo para a Austrália, e a equipa disse-me para voltar para casa e preparar as corridas em Itália. Depois acabo por não ir porque tive Covid-19 e foi uma pena, porque acho que podia ter feito uma boa Lombardia e ter-me despedido da melhor maneira da equipa, mas pronto, eles compreenderam. A minha relação com a equipa ficou muito bem. Mesmo com um ano de contrato ainda por cumprir, eles compreenderam a minha posição e deixaram-me sair. Essa situação do Mundial… quem sabe, talvez um dia se vá saber.

Ainda sobre o Mundial: ficaste acordado a ver o Morgado e o Tavares?

Não, por acaso não, mas assim que acordei vi logo a exibição que eles fizeram e foi espectacular, tenho-os acompanhado, bem como a outros, e acho que vão ter um grande futuro, são muito talentosos.

Foste campeão nacional de sub-23 em 2016 e campeão nacional de elites em 2017 e depois parece que te desinteressaste por esse título. No ano seguinte vieste e não terminaste e nunca mais vieste. Porquê? Tem que ver com calendário? Ou é mais aquela ideia de já teres cumprido esse objectivo e por isso quereres focar-te noutras coisas?

Eu queria vir todos os anos. Tenho tido azar. 2018 caí e desisti. 2019 tinha a clavícula partida porque caí no Dauphiné uns dias antes. 2020 estava fora para correr o Tirreno-Adriático, o Nacional fez-se mais tarde. Em 2021 tinha caído e partido as costelas no Giro e estava a descansar para tentar fazer a Volta à França. E este ano foi uma preparação 100% focada para a Volta a França. Em termos de percurso também não ajudou e aí tenho de ser sincero: eu para ir o percurso tem de se adequar minimamente às minhas características. Mas em 2023 vou fazer de tudo para lá estar.

Foste terceiro na LBG em sub-23 mas depois nunca mais conseguiste ser feliz por lá, inclusive com duas desistências. Como é que explicas isso?

Tenho tido azar, tal como nos Campeonatos do Mundo, nunca acabei nenhum. Este ano acho que podia ter disputado o top-10, tal como tinha feito uns dias antes na Flèche e tive aquela queda grande onde o Alaphilippe também se aleijou. Tive azar, estava nos 30 primeiros, faltavam 60 quilómetros para o fim. É uma corrida que se enquadra muito bem nas minhas características e onde espero voltar.

E lidas bem com distâncias longas?

Sim, também gosto. A forma física tem de estar muito boa, mas gosto de corridas assim.

"Este ano posso-te dizer que para eles [EF Education-EasyPost] no Tour havia quatro líderes, para mim isso não faz sentido.", garante Ruben. (fotografia de Lourenço Graça)

A Flèche Wallone é um dos grandes objectivos da temporada. Como é que descreves a subida do Mur de Huy? Era um sítio para onde mandavas inimigos cumprir castigos? Por exemplo: o Küng.

[risos]. Não é inimigo, não é inimigo. Mas realmente ao passar esses muros dividem-se as águas, faz-se uma selecção, ou tens pernas ou não tens.

E é uma loucura o posicionamento para entrar no muro.

Sim, bastante, não é a loucura das clássicas do pavê, mas ainda assim é preciso ter sorte e muita concentração. E é preciso um bocadinho tê-los no sítio. É respirar ao início e aguentar ali três minutos muito duros, onde dói tudo, a acabar a 200 de pulso. Aconselho todos os fãs a fazer esse tipo de adversidade.

Já te ouvimos algumas vezes falar na geral em grandes voltas, na ambição de um top-10. Não te parece que querer ser um trepador, puncheur e um ciclista de geral em grandes voltas é algo difícil de conciliar? A ideia de especialização não seria mais adequada?

Eu não vejo as coisas dessa maneira. Isto não é: agora quero ser um ciclista de grandes voltas. Eu mostrei no Mount Ventoux [Challenge] que era capaz de subir numa hora com uma qualidade já muito alta e demonstrei em corrida, porque a treinar já o tinha feito. Esse top-10 está no meu pensamento e pelo que vejo na minha forma a treinar, as pessoas que estão comigo dão-me confiança para tentar chegar a esse objectivo. Este ano encontrei-me como pessoa, ciclista e atleta, comecei a viver só para isto e quero continuar a obter resultados nessas corridas acidentadas onde já fazia a diferença e ainda mais nas subidas longas. Não fui eu que quis ser trepador. Foi o que me mostraram: as coisas estavam dentro de mim e eu tinha de as trabalhar.

As clássicas italianas de final de ano parecem adequar-se ao teu perfil. Em 2021 foste peça muito importante nas duas vitórias consecutivas do Valgren. É um objectivo? Falaste com a Movistar sobre isso? A equipa teve bons resultados este ano por lá.

Eu disse à Movistar que gostaria de fazer duas grandes voltas para o ano, gostava de experimentar. O primeiro foco vão ser as Ardenas, depois o Tour e essa parte ainda não está bem definida, mas é uma questão de gestão de forma para finalizar o ano.

Foste o primeiro português a rumar a Axeon. Depois disso, parece que as portas da equipa ficaram escancaradas para o mercado português: irmãos Oliveira, João Almeida, André Carvalho, Pedro Andrade, Diogo Barbosa e agora António Morgado e Gonçalo Tavares.

Sim, tive a sorte de ser o primeiro. Foi uma grande oportunidade, abriu-me as portas para o mundo internacional. Mas em Portugal, há muito talento. Fui o primeiro mas não foi por minha causa que as coisas se abriram, a Axeon começou a estar atenta aos ciclistas portugueses e esses que depois se seguiram a mim foram para lá por mérito próprio. Tanto que agora vão mais dois excelentes diamantes e é algo que acho que vai continuar a acontecer.

Ainda nessa entrevista à PCM falas de “um bocadinho de falta de profissionalismo” da tua parte nos dois anos na Trek, ou seja, quando ingressaste no World Tour. O que é que querias dizer com isso?

Sim, na Trek e na Katusha e no início da EF. Acho que faltava um bocado de maturidade, foi tudo culpa minha, tive um processo muito longo para me conseguir focar a 100%, culpa também da personalidade, somos desportistas mas também temos uma vida e hoje sinto-me mais maduro, sinto que já não cometo os erros que cometi quando era mais novo. Faz tudo parte do processo. Não se pode esperar que todos cheguem ao World Tour como o Pogačar ou o Remco.