As Mulheres que Moldam o Ciclismo Feminino em 2025 - Parte I
A rainha que não se reforma e os retornos à estrada para brilharem. O presente do ciclismo e o futuro do que nos espera.

Não estou aqui para vos apresentar a história do ciclismo feminino. Para isso, teríamos de voltar pelo menos até 1958, com o primeiro Campeonato do Mundo de Ciclismo Feminino, o que exigiria muita informação para compactar. Escrevo isto porque gosto de ver ciclismo e quero tentar passar um pouco mais sobre o que é atualmente o ciclismo feminino. Enumerar algumas ciclistas, fazer a minha avaliação e partilhar a visão que tenho delas. Tão fácil como a Wiebes numa chegada ao sprint. (Se não percebem a referência, este artigo é mesmo para vocês.)
Antes de mais, não podemos olhar para o ciclismo feminino da mesma maneira que para o masculino. Embora ambos sejam ciclismo, são completamente diferentes. Nos últimos dez anos, muita coisa mudou, mas o ciclismo feminino nunca teve uma abordagem tão tática como o masculino. O que mais se destacou: a introdução dos comboios de lançamento para os sprinters, inovação rapidamente adotada pelas mulheres. Às vezes, parece que estamos a assistir a provas de juniores, onde todos atacam e ninguém colabora (um pouco como a UAE no masculino sem o Pogačar – ok, aqui ficou parecido, mas vocês entendem).
Por isso, quando assistimos a uma prova feminina, não podemos esperar o mesmo tipo de ciclismo. Por exemplo, e se numa prova estão duas ciclistas com 2 minutos de vantagem sobre o pelotão e faltam apenas 10 quilómetros para o fim? Não desesperem. Se não estiver lá uma das grandes ciclistas ou líderes, se forem "apenas" gregárias, elas provavelmente serão apanhadas. O meu amigo Tiago Torres tem uma regra simples para estas situações: “No ciclismo feminino, dois minutos são 20 segundos”.
No entanto, as coisas têm evoluído. Temos cada vez mais qualidade. Se há dez anos contávamos com cinco ciclistas de topo (mais dez boas ciclistas e o resto eram gregárias), hoje a realidade é diferente. A juventude está muito forte; temos mais ciclistas de elite, mais segundas linhas e, por isso, gregárias cada vez melhores. Seria mais fácil elaborar uma lista das melhores ciclistas de 2015 do que de 2025. E é isso que quero destacar: uma lista de ciclistas que fazem parte do presente do ciclismo. Algumas com um grande passado e outras com um futuro promissor.
A lista
Marianne Vos — Quando falamos de ciclismo feminino, temos de falar da imperatriz, ela que acabou de assinar um contrato vitalício com a Visma. Considerada a melhor ciclista de todos os tempos, tanto na estrada quanto no ciclocrosse (CX): totaliza umas impressionantes 363 vitórias — 255 na estrada e 108 no CX.
Campeã mundial de estrada em juniores de 2004 (onde isso já vai...), assinou o seu primeiro contrato profissional em 2006 aos 18 anos. Nesse mesmo ano, alcançou nove vitórias, incluindo o campeonato nacional neerlandês, o campeonato europeu e — o mais importante — o título de campeã mundial de estrada. Ainda acrescentou a conquista de campeã mundial no ciclocrosse ao seu palmarés. Época média.
Vos é uma ciclista que apareceu para brilhar e tem uma carreira repleta de sucessos. Quando nós pensamos que talvez já não seja para ela, ela volta a vencer. Agora com 37 anos, ainda é uma puncheur de excelência. Onde quer que vá, é preciso ter atenção, pois sobe bem e finaliza melhor. Embora possa não ter a explosão final de uma Lorena Wiebes, no ano passado (!) superou Wiebes no sprint da Amstel, venceu Kopecky na Omloop, conquistou a camisola dos pontos no Tour de France, na Vuelta a España e ainda ganhou nas montanhas da Catalunha.
Portanto, se este ano Vos estiver ao mesmo nível ou apenas 10% abaixo, teremos espetáculo garantido pelo vigésimo ano consecutivo. É a rainha e não é à toa.

Anna van der Breggen — A treinadora da Demi Vollering é uma trepadora excecional, uma das melhores que vimos no ciclismo feminino. E digo "vimos" porquê? Porque apesar de ter voltado a competir após uma pausa de três anos, ainda não regressou ao mesmo nível — pelo menos por agora. Foi campeã mundial de estrada em 2018 e bicampeã mundial de estrada e de contrarrelógio em 2020. Além dessas vitórias, em 2016, conquistou a medalha de ouro olímpica no Rio de Janeiro e foi a primeira campeã europeia de estrada.
Possui ainda um impressionante recorde de sete vitórias consecutivas na La Flèche Wallonne Féminine. Com um currículo notável de 62 vitórias, o facto de ter voltado da aposentadoria pode estar muito ligado ao investimento crescente nos últimos anos no ciclismo feminino. Acredito que ela esteja determinada a ganhar o Tour de France, seja este ano ou no futuro próximo.
Anna van den Breggen fez um retorno muito positivo com boas atuações, e já tentou competir diretamente com a Demi nas montanhas. Não se deu assim tão mal. Portanto, podemos esperar muitas batalhas emocionantes durante as próximas temporadas.

Pauline Ferrand-Prévot — A ciclista francesa está de volta às competições de estrada. Ela tinha-se retirado da modalidade em 2018, mas manteve-se no ativo no MTB. É uma atleta versátil: campeã mundial de estrada em 2014 e campeã mundial de CX e MTB em 2015. Ela é a única ciclista – tanto no feminino quanto no masculino – a conquistar os três títulos simultaneamente. E é a atual campeã de mountain bike na categoria cross-country nos Jogos Olímpicos em Paris 2024.
Ferrand-Prévot é boa nas montanhas. Num dia inspirado, pode competir de igual para igual com as melhores, além de ter uma boa finalização em grupos reduzidos. Tem tudo para contribuir ainda mais para o ciclismo feminino nos próximos anos. Nesta temporada de regresso, já foi terceira na Strade Bianche, segunda no Tour de Flandres e mais recentemente, vencedora da Paris-Roubaix.
Assim como a Breggen, acredito que a sua volta à estrada reflete a evolução do ciclismo feminino nos últimos anos. Como francesa, deve sentir que ainda pode deixar a sua marca no Tour de France. Vamos a isso.

Demi Vollering — A melhor ciclista da atualidade. Com a mudança de equipa para a FDJ, agora conta com uma formação completamente dedicada a ajudá-la a vencer ou, pelo menos, a lutar por vitórias em todas as competições em que participa. Em 2019, Demi mostrou-se ao mundo ao vencer Longo Borghini no Giro dell'Emilia. No ano seguinte, conquista o terceiro lugar na La Flèche Wallonne Féminine — ainda pela equipa Parkhotel Valkenburg, que é a atual equipa da sua irmã, Bodine Vollering (pensem na dupla tipo Ronaldo e Kátia Aveiro). Este desempenho confirmou o seu talento e, em 2021, é contratada pela SD.
Em 2023, Vollering teve o seu melhor ano até agora. Após vencer a sua colega de equipa (Kopecky) num sprint à deux na Strade Bianche, ela também conquistou a tripla das Ardenas e o Tour de France. Mas ainda tem muitas provas para conquistar.
Na SD, não era a líder indiscutível; agora na FDJ, encontrou esse conforto. Tem um futuro promissor e está destinada a dar ainda mais História ao ciclismo feminino.

Lotte Kopecky — O talento a sério dá trabalho. Kopecky começou como sprinter com um bom punch, evoluiu para uma das melhores classicómanas do pelotão e agora está a fazer a subida para uma excelente trepadora. Se isso não bastasse, ainda se defende bem em contrarrelógios. Que perigo.
O seu CV (Ciclismum Vitae) fala por si. É bicampeã mundial em 2023 e 2024, vencedora do Paris-Roubaix em 2024. Recentemente, superou o recorde de vitórias na Ronde van Vlaanderen (três vitórias). Ainda soma mais duas na Strade Bianche, onde é recordista ao lado de Annemiek van Vleuten e Demi Vollering.
Além das clássicas, Kopecky destacou-se em 2024 no UAE Tour e na Romandia, onde venceu a sua colega Vollering. Em 2023, terminou em segundo lugar no Tour de France Femmes, atrás da sua colega de equipa. Quem? Não poderia ser outra senão Vollering, claro.

Katarzyna "Kasia" Niewiadoma — A nível pessoal, Kasia é uma das ciclistas que mais adoro ver correr. Ela possui uma qualidade e resiliência notáveis. Esteve quase cinco anos sem festejar uma vitória na estrada, entre junho de 2019 e abril do ano passado. Porém, quando voltou a festejar, foi em grande estilo: ganha a La Flèche Wallonne Féminine, mesmo na frente de Demi Vollering. Em agosto, celebrou novamente ao vencer a classificação geral do Tour de France Femmes, talvez a prova mais dramática dos últimos anos em qualquer nível de ciclismo.
Nos últimos anos, embora não tenha acumulado muitas vitórias, venceu competições importantes. Em outubro de 2023, já tinha festejado o Campeonato Mundial de Gravel. É uma excelente montanhista e nunca vira as costas à luta; realiza, por vezes, ataques loucos de longe para tentar conquistar etapas ou subir na classificação geral. Desde que esteja com boas pernas, podemos ter certeza de que teremos espetáculo.
Entre as suas grandes vitórias, a que mais me recordo é a do Trofeo Alfredo Binda em 2018. No meio de vários ataques e com uma transmissão de imagens fraca, apareceu Kasia isolada na frente, enquanto um pelotão em perseguição incluía campeãs mundiais, ex-campeãs e vencedoras da prova. Estava lá a nata do ciclismo feminino daquela época. Kasia resistiu e conquistou uma vitória espetacular. É o estilo dela.

Elisa Longo Borghini — Italiana de 33 anos, ela é profissional desde os 18. Mas parece que foi ao completar 30 anos que o ciclismo começou a retribuir com mais vitórias, ajudando-a a marcar o seu nome na história do ciclismo.
Antes dos 30, acumulava muitas e boas vitórias — como o Trofeo Alfredo Binda em 2013, o Tour de Flandres em 2015 e a saudosa La Route de France. Desde 2021 – o ano em que completou os 30 – já conquistou duas classificações gerais no UAE Tour, finalmente venceu o Giro d'Italia Donne, repetiu a dose no Trofeo Alfredo Binda e no Tour de Flandres, além de ter vencido a segunda edição de sempre do Paris-Roubaix. Ah, e também foi três vezes campeã nacional de estrada e de contrarrelógio. Em 2025, nesta época de clássicas, já conta com duas vitórias, sempre a solo com ataques tardios.
E não ficará por aqui. Se tudo correr bem, ainda tem bons e Longos anos ao mais alto nível.

Lorena Wiebes — Wiebes é a melhor sprinter da atualidade. Ponto. Quando vai ao sprint, é raro perder. Com apenas 26 anos, já conta com 100 vitórias. Marianne Vos estabeleceu um recorde alto (255 vitórias até ao momento), mas será que Wiebes está de olho nesta marca até ao fim da carreira? Em comparação, por esta altura, Vos já tinha acumulado 162 vitórias. Outros tempos.
Além de ser a melhor sprinter atualmente, Wiebes está a destacar-se cada vez mais como uma grande clássicomana. Recentemente, ganhou a primeira edição da Milano-Sanremo Donne e também fechou o pódio no Paris-Roubaix. Não me surpreenderia se, em alguns anos, ela começar a disputar classificações gerais em provas com alguma montanha.

Elisa Balsamo — A 'The Unicorn Girl' é uma classicómana de excelência e multicampeã mundial na pista e na estrada. Em 2021, venceu na Bélgica, superando a campeoníssima Marianne Vos. É uma ciclista muito regular, tanto nas clássicas quanto no sprint. Tricampeã do Trofeo Alfredo Binda, está no top 3 das melhores sprinters do mundo.
Teve a sorte (ou o azar) de competir na mesma geração que Wiebes, uma rival forte: a última vez que conseguiu vencer a neerlandesa foi em setembro de 2023. No entanto, essa concorrência pode servir como um incentivo extra para a sua evolução. Até ao momento, ainda lhe escapa uma vitória de etapa no Tour de France. Ela teve a oportunidade na etapa 2 do Tour de 2022, quando fazia parte de um grupo de seis ciclistas na frente, mas optou por abdicar da chance de vitória para trabalhar em prol da sua líder, Longo Borghini. Agora mais líder na Lidl, quem sabe se não é este ano que consegue finalmente conquistar essa vitória.

Puck Pieterse — Talvez a ciclista mais talentosa da sua geração, Puck é a atual campeã mundial de MTB e uma das ciclistas mais fortes no CX, sem deixar a desejar na estrada. Em 2023, obteve um respeitável quinto lugar na Strade Bianche. Em 2024, nas clássicas e no campeonato mundial, o pior resultado que alcançou foi um 13º lugar. Pelo caminho, já venceu uma etapa no Tour e lutou pela classificação geral e pela juventude até ao último dia. Foi nesse momento que sentiu o peso dos esforços e das montanhas, caindo do 2.º lugar na geral para o 11.º.
Em 2025, chegou forte. Dez dias de competição, dez clássicas; top-10 em todas elas. A mais recente foi a Flèche, onde conquistou a prova batendo a Demi no topo do Mur de Huy. Cuidado com ela.

Shirin van Anrooij — Para começar a justificar a falta de resultados neste ano, em outubro ela passou por uma cirurgia de endofibrose da artéria ilíaca. Inicialmente estava previsto que retornaria à competição apenas no final de abril, mas o regresso foi antecipado em um mês, embora sem a pressão de ser líder — sem a pressão e sem as pernas para isso. Contudo, ela é uma grande puncheur e classicómana, mas também colega de equipa. Quando as provas não lhe são favoráveis a ela, sabe trabalhar bem para Balsamo na Lidl.
Vinda do CX, onde já brilhou, é uma das ciclistas mais fortes da modalidade, tendo sido campeã mundial nas categorias sub-19 e sub-23. Com apenas 23 anos, é uma ciclista promissora. Em 2023, participou do Tour de l'Avenir Femmes e saiu vitoriosa. Nesse mesmo ano, conquistou o Trofeo Alfredo Binda entre as elites, além de ter terminado em 3.º lugar na Amstel e em 2.º lugar na Vuelta a Burgos, atrás de Demi Vollering.
Vale destacar também que ela foi campeã europeia sub-23 em 2022, em Anadia. Isso dá uma ideia da qualidade de Shirin, de tudo o que ela pode conquistar no futuro e uma ideia sobre a qualidade de Anadia.

Charlotte Kool — Começou como lançadora da Wiebes, a sua principal adversária na estrada. Ao aproveitar bem a saída da Wiebes da equipa em 2023, mostrou que sabe competir de igual para igual com ela. Na primeira prova desse ano, venceu um sprint contra a sua antiga líder no UAE Tour. Além disso, foi a última ciclista a vencer a Wiebes mum mano-a-mano (Tour de France em agosto passado). Bem kool.

Marlen Reusser — Grande contrarrelogista. Chegou ao ciclismo profissional aos 27 anos e rapidamente demonstrou aptidão para clássicas acidentadas e algumas competições de montanha. Em 2022, foi contratada pela SD-Worx onde mostrou toda a sua qualidade como gregária de luxo, especialmente ao serviço de Demi.
No seu segundo ano, deu um salto qualitativo, passando a vencer provas por etapas e grandes clássicas. Até conquistou um pódio na Liège-Bastogne-Liège. No ano seguinte, vieram os desafios, devido a quedas e lesões. Já venceu provas por etapas como a Itzulia Women ou a Tour de Suisse. Clássicas como a Gent-Wevelgem; duas etapas no Tour de France. No contrarrelógio, foi três vezes campeã europeia e duas vezes vice-campeã mundial.
Atualmente contratada pela Movistar como uma das líderes da equipa, forma uma grande dupla com Lippert nas clássicas.

Kristen Faulkner — A dupla campeã olímpica de Paris – na estrada e na pista – também chegou tarde ao ciclismo. Em 2016, aprendeu a andar de bicicleta numa escola, apenas para ter um passatempo. Mal sabiam os instrutores.
Embora tenha como especialidade o contrarrelógio, Faulkner também se defende bem nas subidas. Em apenas cinco anos, acumula 12 vitórias na carreira. Além de campeã olímpica de estrada, também venceu etapas no Giro Donne e na Vuelta a España Femenina.
Embora curta, a sua carreira já teve altos e baixos. Um dos episódios mais marcantes foi a desqualificação na Strade Bianche em 2023, devido ao uso de um monitor de glicose contínuo, onde tinha terminado em 3.º lugar. Além disso, nos Jogos Olímpicos, a atleta americana não estava inicialmente convocada, recebendo a chamada apenas um mês antes. Foi campeã olímpica. O ciclismo tem destas coisas.
