Antevisão — Volta Ciclista a Catalunya

Remco vs Roglič. Round 1.

Antevisão — Volta Ciclista a Catalunya
Volta Ciclista a Catalunya

Introdução

Depois do espetáculo prestado pela semana do Paris-Nice e do Tirreno-Adriatico e do não menos espetacular primeiro monumento do ano — e antes do frenesim do pavé que se antevê nas duas semanas que se seguem — o pelotão desloca-se a Espanha onde terá pela frente  a 102.º edição da mais antiga prova corrida em terras de nuestros hermanos. Uma prova dura, uma prova que os sprinters fingem não existir e, sobretudo, o primeiro e único grande embate entre os grandes candidatos à vitória final no Giro d'Italia. Vejo esse como o principal ponto de interesse desta edição da Volta à Catalunha. O embate entre aqueles que são, para mim, os quatro maiores candidatos ao pódio na grande volta italiana (Remco Evenepoel, Primož Roglič, Geraint Thomas e João Almeida) de 2023 e aos quais ainda se juntam todos os membros do pódio da época passada (Jai Hindley, Richard Carapaz e Mikel Landa).
O ano passado foi nesta prova que tivemos porventura a melhor etapa das provas de uma semana do World Tour, com uma reviravolta na penúltima etapa onde Sérgio Higuita chegou à liderança (que viria a manter no último dia) na sequência de um ataque lançado a 134 quilómetros da meta, na companhia de Richard Carapaz, que viria a vencer essa tirada. Realçar que tal reviravolta só foi possível por um terrível infortúnio dos homens da UAE Emirates, que quando tentavam defender a liderança de João Almeida, tiveram um problema no rádio e começaram a atacar o líder. São azares. É saber lidar.
Há dois anos tivemos o pódio ocupado em exclusivo pela INEOS… mas esses tempos já lá vão.
Temos perfil, startlist e incógnitas suficientes para me fazer crer que teremos, como é habitual, uma semana repleta de espetáculo na Catalunha.  

Foi em 2022, na Catalunha, que João Almeida se estreou a vencer com as cores da UAE Emirates. (foto: Eurosport)

O percurso

Etapa 1 — Isto é aquilo a que eles na Catalunha chamam uma etapa para sprinters. Não fará diferenças na geral e poderemos ver um homem rápido na liderança da prova no fim do dia, apesar das dificuldades.

Sant Feliu de Guíxols - Sant Feliu de Guíxols (164.6km)

Etapa 2 — Segundo dia de prova, primeiro dia de decisões. As dificuldades estão reservadas para os últimos sessenta quilómetros, onde uma primeira categoria da Wish abre o apetite para a já habitual chegada a Vallter, a mais de 2000 metros de altitude. Em 2021, Adam Yates venceu aqui numa etapa muito semelhante.

Mataró - Vallter (165.4km)

Etapa 3 — Mais uma jornada que promete espetáculo. As diferenças aqui não têm sido grandes mas este ano a rota que leva até à subida final é mais complicada. Há espaço para ataques de longe e com alguns blocos fortes que aqui se apresentam, essa é uma possibilidade. E um desejo.
Nota para o facto da pendente média da subida final ser enganadora, fruto da descida existente antes da rampa final. O ano passado deu Ben O'Connor.

Olost - La Molina (Alp) (180.6km)

Etapa 4 — Os homens das fugas a.k.a. barodeurs olham para este perfil acidentado com um inicio exigente e esfregam desde logo as mãos. Mas é preciso ver que haverá gente que, tendo trazido os seus homens rápidos até Espanha, não vai querer perder esta oportunidade. Será nessa disputa que residirá o interesse da etapa, sendo que os homens da geral têm aqui uma oportunidade para respirar. Ainda que por pouco tempo.

Llívia - Sabadell (188.2km)

Etapa 5 — A última chegada em alto da semana chega ao quinto dia (sexta-feira, se quiserem marcar na agenda) e traz na ementa a mais dura subida da prova. Uma etapa unipuerto onde os trepadores puros terão a derradeira oportunidade de fazer diferenças e onde a estrada deixará a nu quem tem ou não pernas para lutar pela vitória final.

Tortosa - Lo Port (176.6km)

Etapa 6 — Não é duro o suficiente para se fazerem grandes diferenças na geral nem fácil o suficiente para os sprinters poderem sonhar. Este será a meu ver o dia ideal para uma fuga triunfar. O que não inviabiliza que possam existir movimentações por parte dos favoritos, que isto hoje em dia é tudo doido.

Martorell - Molins de Rei (183.2km)

Etapa 7 — O já tradicional circuito de Barcelona tem-nos trazido poucas diferenças mas entretenimento de qualidade. Se a geral estiver presa por segundos, pode ser uma etapa louca. Caso contrário o cenário mais provável é um sprint num grupo reduzido como aconteceu no ano passado, onde a vitória foi para Andrea Bagioli num grupo de dezoito corredores.

Barcelona - Barcelona (135.8km)

O que esperar

Além da luta pela classificação final da prova, existem muitos outros pontos de interesse nesta Volta à Catalunha. Os "sprinters" (com aspas mesmo) podem aproveitar a escassez de concorrência, afastada pela dureza da prova, para tentarem vencer no nível World Tour — terão as suas oportunidades nas etapas 1,4 e 6. Destaco aqui Bryan Coquard, que é a minha aposta para vencer logo ao primeiro dia. O francês estreou-se a vencer este ano no World Tour e o perfil tem a cara dele. Terá a concorrência de um Kaden Groves que ainda não conheceu o sabor da vitória com as novas cores da Alpecin-Deceuninck mas que quererá marcar o regresso à prova onde no ano passado se apresentou ao mundo com, pelo menos, um triunfo. E depois temos um trio de homens rápidos que procura a sua primeira vitória World Tour e eu acredito que pelo menos um a alcançará nesta prova. Falo do sempre consistente e nunca vitorioso Hugo Hofstetter, do promissor Corbin Strong e de um dos homens em melhor forma na atualidade: Milan Menten. Sobra ainda o sempre imprevisível Ethan Hayter, que precisa desesperadamente de começar a dar mostras de todo o potencial que lhe vem sendo apontado e tem aqui uma oportunidade para o fazer. Diria que é um dos nomes com mais pressão para mostrar serviço nesta prova.

Nos restantes dias, os homens da geral serão os responsáveis por trazer o espetáculo até nós. E não falta qualidade, como poderão ver descrito abaixo com mais detalhe. Claro que homens como Dylan Teuns, Quinn Simmons ou Andreas Kron, poderão fazer uma graçinha e roubar uma das etapas acidentadas aos principais galos do pelotão, mas será nestes que estará o principal foco. Há três chegadas em alto onde se marcarão as principais diferenças e ainda mais uma/duas oportunidades para quem tiver a coragem e ousadia de colocar os rivais à prova. A corrida será muito marcada e assim sendo aquilo que acontecer na primeira chegada em alto, ao segundo dia, ditará o tom do resto da prova. O duelo entre Evenepoel e Roglič marcará a prova e se o esloveno prefere entregar aos seus sempre fiéis e competentes colegas a missão de deixar a decisão para os metros finais, o belga é mais arrojado e pode querer partir a corrida mais cedo, pelo que esta será bastante diferente dependendo de qual deles assume nesse dia as rédeas da corrida. A correr por fora no que à vitória final diz respeito, existem equipas com múltiplos líderes que se souberem usar esse fator para seu proveito podem colocar os dois favoritos em dificuldades: destacam-se aqui a UAE Emirates, de João Almeida/Adam Yates e a Bahrain Victorious de Mikel Landa/Gino Mäder. E uns lobos solitários que num dia de inspiração podem colocar todos em sentido mas aos quais parece sempre faltar um danoninho para a vitória. Falo de nomes como Ben O'Connor, Romain Bardet e Giulio Ciccone.
Com tanto trepador de qualidade fora dos principais favoritos, quem quiser juntar esta corrida ao seu curriculo terá de fazer por merecer.

Esta edição traz ainda uma série de nomes cujo comportamento me suscitam bastante curiosidade. Cian Uijtdebroeks, o campeão do Tour de l'Avenir, tem aqui mais um teste à sua capacidade de se bater de frente com os melhores do mundo. Luke Plapp vem de um pódio no UAE Tour que deixou àgua na boca quanto à sua capacidade de se impôr dentro da INEOS Grenadiers e teremos aqui a oportunidade de perceber se, perante uma concorrência tão forte e dias mais duros, continua a sua progressão e merece realmente a nossa atenção para o futuro. E por fim, um dos nomes mais massacrados nos últimos anos, Egan Bernal, volta à compretição e embora deva ter como objetivo apenas ganhar algum ritmo e ajudar os seus colegas, a presença de um campeão deste gabarito é algo que traz sempre alegria aos adeptos do ciclismo.

Sergio Higuita bateu Richard Carapaz e João Almeida na última edição.

Favoritos

Primož Roglič — No Tirreno deu show e embora aqui existam subidas mais duras, mais longas, onde não deu ainda provas este ano, é o grande favorito. Vem em forma, confiante, com uma boa equipa e ainda tem a vantagem de poder beneficiar da sua ponta final para arrecadar preciosos segundos e depois gerir a corrida ao seu jeito, como tanto gosta.

Remco Evenepoel — O prodígio belga tem aqui o primeiro embate da época com o grande rival do Giro e o percurso assenta-lhe bem. Etapas acidentadas onde pode ousar atacar de longe e dar uso ao motor e chegadas em alto sem pendentes particularmente elevadas. Já ganhou no UAE Tour, vem de um estágio em altitude e tudo aponta para que chegue aqui já num ponto de forma bastante elevado.

A não perder de vista

João Almeida — Esteve muito bem no Tirreno em etapas onduladas, onde nos últimos anos tem sentido dificuldades, o que deve ser indicação de um bom estado de forma. Aqui o percurso vai mais ao seu encontro, com subidas longas onde pode colocar o seu ritmo. Só não está na categoria de cima porque os dois nomes presentes são realmente de outro nível. E porque os meus colegas depois chamam-me caseiro.

Jai Hindley — Tem tido um início de época um pouco abaixo das expetativas, sendo sobretudo penalizado pelos contrarrelógios das provas onde participou. Apesar disso, já teve momentos positivos e aqui vai encontrar as mais difíceis subidas da época até agora, o que nos pode trazer um Hindley de outro nível.

Mikel Landa — Ao contrário do que é seu hábito, o espanhol tem sido muito consistente esta época, fechando no top-10 em todas as três provas por etapas onde entrou. Não me parece que tenha capacidade para ganhar a prova, mas estará certamente na discussão das chegadas mais seletivas e apontará ao pódio com legítimas aspirações.

Adam Yates — O pico de forma anual no UAE Tour já foi há algum tempo e esteve fraquinho no Tirreno, mas o britânico é muito forte em provas de uma semana e inclusivamente já venceu aqui em 2021. Acredito que ele e o João terão o mesmo estatuto à entrada da prova e depois será a estrada a definir as lideranças, como aconteceu na semana passada em Itália.

Richard Carapaz/Geraint Thomas — Dois ciclistas que começam aqui a sua época a sério (Carapaz já fez os nacionais e a Milano-Torino) e que têm por hábito não entrar a todo o gás. Eu acho que nenhum deles vai andar particularmente bem, mas por respeito à qualidade de ambos, merecem uma menção.

Apostas falso plano

Henrique Augusto — Roglič. Boring mas é o que vai acontecer.

Lourenço Graça — Roglič. Vai dar bigode.

Miguel Branco — Giulio Ciccone. Eheheheheh.

Miguel Pratas — Richard Carapaz vai trocar as voltas a Roglič e Evenepoel.

Ricardo Pereira — Jack Haig.

Sondagem falso plano