Antevisão — Tour de France

O duelo de uma geração. Está cá com um aspeto, isto.

Antevisão — Tour de France

Introdução

À semelhança dos ciclistas, também o falso plano tem uma longa preparação rumo ao grande objetivo da época. Começamos no Tour Down Under sempre com o verdadeiro Tour em vista. E chegou o ponto alto da época, finally. E era difícil estar mais hyped do que atualmente.

Um grande percurso, com um arranque em Itália desde logo super interessante e uma semana final mortífera. Uma startlist onde ninguém faltou à chamada, estão cá as trutas todas. Muitas dúvidas em redor dos principais favoritos, com Jonas Vingegaard a procurar chegar à histórica terceira vitória consecutiva vindo de uma paragem de 3 meses e com Tadej Pogačar a tentar completar a dobradinha Giro-Tour pela primeira vez desde 1998. Depois temos os outsiders em busca do sonho, Primoz Roglič tentará manter-se em cima da bicicleta e testar-se contra os melhores e Remco Evenepoel chega finalmente ao Tour com o objetivo de lutar pela vitória.

Ainda vamos ter dramas internos, a luta de Philipsen pelo estatuto de melhor do mundo, surpresas a intrometer-se nas grandes disputas, jovens promessas a mostrarem-se ao mundo e, claro, o Bota Lume 🔥 em estreia na corrida das corridas.

Aqui cada etapa é uma clássica que pode mudar uma carreira, cada ação fica na história e as lendas nascem e crescem. E temos perante nós o duelo de uma geração, era difícil pedir melhor.

Venha a luta, venha o Tour!

Vingegaard hails Pogacar after latest Tour de France skirmish | Arab News
Round 4, here we go! (foto: ArabNews)

O percurso

Etapa 1 — Já lá vai o tempo em que as grandes voltam começavam com prólogos ou etapas planas. Agora é a doer desde o primeiro quilómetro. Uma etapa de média montanha que a UAE deverá querer armadilhar para ver como está Vingegaard. Todos aos vossos lugares, começou o Tour.

Firenze — Rimini (206km)

Etapa 2 — Giro dell'Emilia no Tour. Duas paredes nos últimos 30 quilómetros prometem espetáculo na chegada a Bolonha. Muitos puncheurs (andiamo Bettiol!) vão lutar pela amarela e quem chegar a meio gás a este Tour poderá ver-se logo na primeira segunda-feira já algo longe na geral.

Cesenatico — Bologna (201km)

Etapa 3 — Seguimos em Itália para o primeiro sprint. Há quem diga que vão dar todos Philipsen. Eu acredito numas quantas surpresas desagradáveis para o Disaster. É daquelas etapas que até Jakobsen e Cavendish podem disputar.

Piacenza — Torino (231km)

Etapa 4 — Ao quarto dia e na chegada a território francês, Galibier para cima deles, a mais de 2600 metros de altitude. É pelo "lado fácil", se se pode usar essa expressão, mas os últimos quilómetros são os mais duros e em subidas de uma hora podem acontecer surpresas, sobretudo tão cedo na prova. Nota para a possibilidade de cedência da amarela para a fuga e, sobretudo, para o majestoso falso plano de 40 quilómetros que inicia a etapa 🥰

Pinerolo — Valloire (140km)

Etapa 5 — Acho que não há dificuldades suficientes para deixar ninguém para trás. Ainda assim, equipas como a Lidl-Trek e a Intermarché tentarão ao longo do Tour endurecer estas armadilhas para deixar Groenewegens desta vida a perseguir, aumentando as chances dos seus sprinters.

Saint-Jean-de-Maurienne — Saint-Vulbas (178km)

Etapa 6 — O sonho molhado de Jakobsen. É dropado naquela lomba inicial mas tem tempo para recuperar.

Mâcon — Dijon (164km)

Etapa 7 (ITT) — 25 quilómetros contra o relógio podem fazer muitos estragos, não sei se se lembram do que aconteceu no ano passado. Dia para Remco brilhar antes de perder 27 minutos na alta montanha. Primeiras diferenças extra-bonificações entre Vingegaard e Pogačar.

Nuits-Saint-Georges — Gevrey-Chambertin (25km)

Etapa 8 — Sobe e desce. Sobe e desce. Repeat até à meta. Parece o perfil da Amstel isto. Dia para os monstrinhos, Wout van Aert e Mathieu van der Poel, darem espetáculo. Talvez um Mads Pedersen ou um super Philipsen consigam chegar, mas eu acredito numa fuga anárquica e caótica com os grandes classicómanos deste Tour.

Semur-en-Auxois — Colombey-les-Deus-Églises (184km)

Etapa 9 — Falaram em classicómanos? Vão ser necessários por aqui. 14 setores de sterrato marcam o último dia da primeira semana do Tour e é necessário aplicar o cliché "não se pode ganhar aqui o Tour, mas pode-se perder". Os últimos setores são planos pelo que não imagino grandes diferenças na GC, mas espero uma grande luta pela etapa.

Troyes — Troyes (199km)

Etapa 10 — Mais uma oportunidade para a 35.ª.

Orléans — Saint-Amand-Montrond (187km)

Etapa 11 — Uma fuga interessante (com muita luta no plano para se formar) a disputar a vitória ou a UAE estará em modo Giro e vai querer dar esta a Pogačar?

Évaux-les-Bains — Le Lioran (211km)

Etapa 12 — Mais uma oportunidade para os homens rápidos.

Aurillac — Villeneuve-sur-Lot (204km)

Etapa 13 — Outra. Esta com uma secção de 20 quilómetros ondulados localizada já nos últimos 50 que deve eliminar muitos sprinters da discussão. Anda Mads.

Agen — Pau (166km)

Etapa 14 — Até aqui o objetivo era não perder o Tour. Nesta etapa começa-se a ganhar o Tour. Mítico Tourmalet no menu e para fechar a chegada a Pla d'Adet que conta com uma fake news climb, já que os dois últimos dois quilómetros são a 5%. Até lá, sigurem-se que isto anda sempre nos 10%.

Pau — St-Lary-Soulan (Pla d'Adet)

Etapa 15 — 4 contagens de primeira categoria. Uma de categoria especial a coincidir com a meta. 5000 metros de desnível. E eu no sofá. Vá malta, lutem, ataquem-se e surpreendam-me.

Loudenvielle — Plateau de Beille (199km)

A primeira chegada em alto monstruosa deste Tour.

Aquele azulinho ali no fim 'tá-me a irritar.

Etapa 16 — Os sprinters que não chegarem OTL na etapa anterior têm aqui a derradeira possibilidade de picar o ponto.

Gruissan — Nîmes (189km)

Etapa 17 — Se estiver muito coladinho, a UAE é capaz de tentar ir à caça de bonificações. Caso contrário deve dar vitória para uma fuga à Tour, a transbordar de qualidade.

Saint-Paul-Trois-Châteaux — SuperDévoluy (178km)

Etapa 18 — Clássica etapa de transição de última semana de Tour. Vitória da fuga.

Gap — Barcelonnette (180km)

Etapa 19 — Nossa senhora. Dá para matar gente na Bonette. Mais de 10 quilómetros acima dos 2000 metros, já no fim do Tour e com pendentes constantes acima dos 7%. Aos que sobreviverem ainda têm a chegada ao Isola 2000 que ao lado da outra até parece fácil. Nota: Etapa desenhada por e para Jonas Vingegaard.

Embrun — Isola 2000 (145km)

Olhem bem para isto.

A estrada pavimentada mais alta da Europa. Tour a dar tudo.

Etapa 20 — Com as pernas pesadas da véspera, os ciclistas vão enfrentar outro dia curto em quilometragem mas muito longo em dureza. Não há vales nesta etapa, levando a que se esteja sempre a subir ou a descer. Terreno ideal para raids e para um all-in de quem quiser recuperar tempo. Além disso, é território perfeito para um momento "I'm dead, I'm gone" de alguém.

Nice — Col de la Couillole (134km)

Etapa 21 (ITT) — Era lindo isto chegar aqui ainda em discussão para termos espetáculo na chegada a Nice. Não vai haver champanhe em prova este ano. 34 quilómetros com uma fase inicial bem durinha definirão o definitivo o portador da mais querida camisola do ciclismo, a Maillot Jaune.

Monaco — Nice (34km)

O que esperar

Muita festa! A começar logo no primeiro fim-de-semana em Itália, onde espero ver a UAE testar as pernas de Vingegaard. Desde aí até à etapa 14, onde realmente começa a alta montanha, prevejo uma corrida relativamente calma onde apenas no esforço individual e no dia do sterrato vejo potenciais diferenças acontecerem, e mesmo assim de dimensão limitada. Até esse dia, a GC estará relativamente equilibrada e as "segundas linhas" como Remco Evenepoel e Primoz Roglič ainda se poderão encontrar numa posição ameaçadora para os dois favoritos.

Primož Roglic's Tour de France Defeat - Tour de France 2020 Results
O esloveno continua atrás da vingança de 2020. (foto: Bicycling)

A partir daí começa uma nova corrida, talhada para trepadores puros, com 4 dias de altíssima montanha que marcarão certamente o desfecho final desta prova e onde espero ver Tadej Pogačar e Jonas Vingegaard começarem a correr num mundo à parte. A grande questão desta edição é se Vingeegard ainda é muito mais forte que Pogačar quando as altas e sucessivas montanhas chegam, e isso só se verá a partir desta fase da corrida, onde acredito que o esloveno chegará com ligeira vantagem perante o dinamarquês, obrigando-o a atacar e a dar espetáculo. Veremos como lidará o super bloco da UAE com isso (estou convicto que lidará bem). É nesta fase que homens como Carlos Rodriguez, Mikel Landa e Enric Mas (também poderiam estar aqui João Almeida e Jai Hindley, mas é terreno mais pantanoso dadas as suas obrigações coletivas) terão a sua oportunidade de dar uso ao seu terreno predileto para se colocarem em posição de lutar pelo pódio.
Há outros ciclistas que acredito que vão entrar com o objetivo de geral mas que ao longo da corrida até podem passar para procurar etapas ou montanha, pois têm qualidade mais que suficiente para isso e um 7.º lugar pode não lhes interessar assim tanto, e refiro-me a nomes como Felix Gall, Richard Carapaz, Santiago Buitrago, Simon Yates, Lenny Martinez.

Felix Gall wins the 17th stage of the Tour de France - Team DECATHLON AG2R  LA MONDIALE TEAM
Felix Gall apresentou-se ao mundo na edição passada, vencendo a etapa rainha no Col de la Loze e fechando 8.º à geral. (foto: BMC)

Se se dedicarem a andar à caça de etapas, terão boa companhia, ou não fosse isto o Tour onde a qualidade existe em todas as áreas. Há muitos trepadores que terão como objetivo picar o ponto e quiçá andar de camisola das bolinhas, desde Pello Bilbao até Romain Bardet, passando por Ion Izagirre, Giulio Ciccone, Kévin Vauquelin, Warren Barguil, Oscar Onley, Tobias Halland Johannessen e Derek Gee (-Cee? hope not).
Também à procura de levantar os braços pelo menos uma vez andarão os inevitáveis Mathieu van der Poel, Matej Mohorič, Ben Healy, Oier Lazkano, Alberto Bettiol, Alex Aranburu, Maxim Van Gils, Magnus Cort Nielsen, Romain Grégoire, Stephen Williams e Paul Lapeira. Incluo também aqui o recém campeão nacional Rui Costa, que terá liberdade para procurar a sua 4.ª vitória no Tour e gostava de incluir neste lote Tom Pidcock, mas tenho ainda dúvidas (e curiosidade) em relação à postura que adotará na prova.

Tom Pidcock claims he is 'not good enough' to win Tour de France in 2023,  targets stage wins - Eurosport
A incógnita em relação aos objetivos de Pidcock continua a pairar sobre o britânico. (foto: Eurosport)

No que aos homens rápidos diz respeito Philipsen parte com favoritismo para repetir o domínio do ano passado, encher-se de vitórias e ainda levar a verde. Quanto à camisola dos pontos, penso que apenas a versatilidade de Arnaud de Lie e Mads Pedersen (Wout van Aert chega em forma incógnita e provavelmente sem liberdade para lutar por este objetivo) podem chegar para assustar o belga, e mesmo assim parece-me improvável. Precisariam de se apresentar muito bem nas chegadas em pelotão compacto, lutar pelos sprints intermédios todos e ainda conseguirem disputar uma ou duas etapas já depois de eliminarem Philipsen pelo caminho. Nas etapas verdadeiramente planas apenas vejo, além dos já citados, Dylan Groenewegen e um Sam Bennett num super dia a poderem fazer uma gracinha. Há outros que poderão andar perto mas aos quais penso faltar velocidade para chegar à vitória, como Phil Bauhaus, Biniam Girmay, Fabio Jakobsen, Alexander Kristoff e o grande Fernando Gavíria. O joker é, obviamente, Mark Cavendish. O racional diz que já não dá, as pernas parecem já não ter a capacidade. Mas o coração dos campeões às vezes alcança grandes proezas e nós, deste lado, vamos estar todos a torcer por ver o Foguete de Mann levantar os braços pela 35.º vez e solidificar ainda mais o seus lugar entre os grandes da história.

Philipsen vence 11ª etapa, sua quarta vitória no Tour 2023 - Bikemagazine
Foram 4 para o Disaster em 2023. Repetirá a dose? (foto: BikeMagazine)

O cenário está todo montado e aceitam-se apostas. Binde pá festa!

Favoritos

Jonas Vingegaard — O bi-campeão em título. Não acreditem na conversinha da Visma. Se está presente é com a ambição de levar a Grande Boucle de vencida pela terceira vez consecutiva. É o melhor trepador do mundo quando está a 100%. Estará a 100%? Mesmo não estando, será suficiente?

Tadej Pogačar — Pressinto que vai ser um bocadinho de nada mais difícil do que o Giro. Estou a torcer por ele, acho que chega em melhor forma do que na época passada e muito motivado para finalmente voltar a bater Vingegaard. Traz um contingente assustador para subir montanhas e se não tiver o seu dia mau, vai finalmente voltar a vencer o Tour.

A não perder de vista

Primož Roglič — É esperar que existam azares com os outros para tentar vencer. A equipa, para a qual se mudou com a ambição de liderar esta prova, é ótima e conta com Aleksandr Vlasov e Jai Hindley, que se têm mostrado fiéis escudeiros do esloveno. Eu acho que não tem andamento, ninguém tem, para os dois favoritos, por isso o Tour dele será manter-se à frente dos restantes e depois rezar por um dia mau.

Carlos Rodríguez — Vai andar discreto até à etapa 14, onde irá finalmente começar o seu Tour. É na alta montanha que o espanhol se sente bem, e espero que a Ineos não se ponha a inventar, o líder tem que ser ele indiscutivelmente. Protejam-no bem até à chegadas das montanhas e pode ser que acabem no pódio em Par..Nice.

Remco Evenepoel — Vai andar vistoso até à etapa 14, onde irá finalmente acabar o seu Tour. O belga não teve a aproximação ideal à prova, a montanha que existe é demais para ele e por isso espero ver duas facetas de Remco. Primeiro, o prodígio atacante e ousado, que vai chegar à amarela e lutar para se manter com ela enquanto possível. E depois a falência do mesmo, ficando demonstrado que não se devia focar tanto na geral de grandes voltas porque há muito ciclismo além disso, onde ele é inacreditavelmente bom. E que o Merlier devia estar à partida desta corrida.

Adam Yates — Pódio no ano passado tem mais uma vez funções de braço direito de Tadej Pogačar. Se acontecer alguma coisa ao esloveno, pode assumir o papel de liderança e temos visto na UAE o melhor Adam de sempre. Para ganhar é quase impossível, mas isso é verdade para todos os que estão inseridos nesta categoria. Para o pódio é bem possível repetir o feito.

Matteo Jorgenson — Tem estado o ano todo a surpreender-me com as suas prestações, quer nas clássicas quer na alta montanha. Em três semanas só acredito depois de ver e estou muito curioso para ver a prestação do norte-americano que, sem Kuss, ganha ainda maior preponderância na estrutura da Visma e no apoio a Vingegaard.

João Almeida — O feeling, os números e até os resultados dizem que temos à partida para este Tour o melhor João de sempre. Isso permite-nos sonhar? Mais ou menos. O líder é indiscutível na equipa e a avaliação do seu Tour estará sempre indexada à prestação de Pogačar. Ainda assim, sabemos que lutará por se manter entre os melhores depois de finalizado o trabalho e que, de Almeidada em Almeidada, pode chegar a um lugar bem honroso na GC final. Esperemos que sim. Bota Lume João, estamos contigo! 🏴‍☠️

Apostas falso plano

Fábio Babau — Tadej Pogačar. O único em forma.

Ricardo Pereira — João Almeida. O único em forma.

Henrique Augusto — Façam a devida vénia ao melhor ciclista do mundo, Tadej Pogačar.

Lourenço Graça — O Lourenço não respondeu mas como pessoa emotiva que é, deve apostar em Primož Roglič.

Miguel Branco — Jonas Vingegaard. Infelizmente. (E a caminho de vitórias na Vuelta 2024 e no Giro 2025.).

Miguel Pratas — 1-2-3 para a UAE Emirates com Adam Yates na terceira posição.

Sondagem falso plano