Antevisão — Strade Bianche
E quem não gosta da Strade Bianche que atire a primeira pedra.
Introdução
Digam o que disserem: a Strade Bianche é o sexto monumento do ciclismo internacional. E embora ela apenas esteja estabelecida com este nome e percurso desde 2007, a sua história é bem anterior a esta data, com a primeira pedra daquilo que viria mais tarde a dar a origem a esta corrida a ser lançada em 1897. Chris Fontecchio, fundador e editor do nosso querido Podium Cafe — site especializado dedicado a ciclismo — passou anos a investigar a pré-história da Strade Bianche.
Ao que parece, foi nesse fim de século XIX que os irmãos Ernesto e Giuliu Gallo, donos de uma adega na Toscana, decidiram organizar uma corrida por essa zona italiana como forma de promover os seus vinhos. Isso significou, nos primeiros anos da mesma, lutas entre povoações vizinhas, vencedores desclassificados por serrarem bicicletas de adversários, e ainda a sua utilização para servir a propaganda do regime fascista italiano durante a Segunda Guerra Mundial.
Por volta dos anos 30, aquilo que era uma corrida por etapas, virou uma clássica, com sprints intermédios, classificações de cura de carne e de extracção do melhor café expresso. Antes disso, nos anos 20, os irmãos Gallo venderam a prova à Bianchi Bicycle Corporation of Milan. As história das estradas brancas e vinhateiras da Toscana são intermináveis, com Eddy Merckx à mistura, ou até Bernard Hinault, que em 1981 arrancou a solo ainda durante a partida simbólica e nunca mais foi visto, chegando com mais de 30 minutos de avanço sobre o segundo classificado. No final, ousou dizer que o vinho francês era muito melhor e que as estradas brancas não valiam nada.
Bernard, permita-nos discordar, mas nós gostamos muito da Strade Bianche. A história destas terras batidas há muito existem. E no que ao falso plano diz respeito, vai continuar.

O percurso
Começa em Siena. Acaba em Siena. Pelo meio, aí vão 11 sectores de sterrato do mais duro que há no mundo, alguns em subidas, outros nem tanto. Mas aqui não é a inclinação que faz diferença — a não ser naquela duríssima parede na entrada de Siena, antes da Piazza del Campo. Aqui, o que faz diferença são os tremores da estrada, a potência que é preciso ter durante 184 quilómetros. Os último sectores de sterrato, no entanto, têm alguma inclinação e têm de ser corridos na frente do grupo. Se é que ainda vai existir grupo.

O que esperar?
Sangue. Espera-se muito sangue. É uma daquelas corridas que sabemos que partem cedo, que geram inúmeros furos e problemas mecânicas e que, por isso mesmo, pela paisagem e por tudo o resto, é imperdível. A meio da corrida, já muito gente vai estar arredada da luta e a selecção para os vencedores vai começar a ser feita bastante cedo. Diria que na pior das hipóteses, por volta do sector 7 ou 8, os ataques vão começar a ser mais insistentes, ataques que na Strade Bianche muitas vezes são meros aumentos de ritmo. A maior parte das vezes, o que acontece é um grupo muito curto chegar junto, ou pelo menos próximos, a Siena. Se até aí não se conseguirem distanciar, vão ser as inclinações da entrada em Siena (nomeadamente na Via de Santa Caterina) a decidir o vencedor — recorde-se o ataque impressionante de Mathieu Van der Poel em 2021, deixando Alaphilippe pregado à estrada.
Quanto a portugueses: esta edição da Strade Bianche conta com a participação de três corredores portugueses: Rui Costa, Nélson Oliveira e André Carvalho. O primeiro com aspirações legítimas ao top-10.
Favoritos
Mathieu Van der Poel — Certo, esta será a sua primeira prova de estrada em 2023. E então? Van der Poel é um animal selvagem, capaz de imprimir potências como poucos. Sabe o que é ganhar aqui e duvido que venha aqui apenas beber chianti. É o grande favorito, a seguir a Nans Peters, claro.
Julian Alaphilippe — Loulou já mostrou que 2023 vai ser um ano diferente. É, tal como Van der Poel, um vencedor desta prova (2019), e parece-me dos poucos corredores desta startlist capazes de fazer frente ao neerlandês.
Tom Pidcock — Foi quinto classificado em 2021 e é um classicómano de classe mundial. Muitas vezes sinto que lhe falta perspicácia para saber estar bem posicionado nos momentos chaves das provas. Mas a nível de pernas é, de longe, um dos favoritos.
A não perder de vista
Tiesj Benoot — A sua vitória em 2018 foi uma das mais incríveis edições da Strade Bianche. Wout Van Aert não está presente, acabou de vencer a Kuurne-Bruxelles-Kuurne, por isso…
Pello Bilbao — Anda bem em todo o terreno e no ano passado fechou top-5. Candidato mais do que evidente a repetir o resultado.
Tim Wellens — Sem Pogačar, todos os galos da UAE Emirates se querem chegar à frente. Mas é preciso ter unhas para sobreviver ao strerrato. O belga já mostrou que as tem.
Matej Mohorič — O historial não é bom: o melhor resultado que tem aqui é o 11.º lugar. Só que Mohorič é Mohorič. Anda sozinho como ninguém e adora terrenos acidentados.
Quinn Simmons — Não gosto dele por razões políticas. Sou, no entanto, obrigado a admitir que é um talento em cima da bicicleta e que esta prova assenta-lhe na perfeição.
Apostas falso plano
Henrique Augusto — Ala. Vai confirmar o seu regresso com a ansiada vingança perante MvdP, num final a dois na Via de Santa Caterina.
Lourenço Graça — Julian. Só porque o amo!
Miguel Branco — Julian Alaphilippe. E no final mata o gato do Lefevere com uma pedra do último sector de sterrato.
Miguel Pratas — Mathieu van der Poel. Primeira corrida, primeira vitória. Para ele e para a Alpecin-Deceuninck.
Ricardo Pereira — Attila, o huno.