Antevisão — Ronde van Vlaanderen
MvdP persegue o recorde. Pogačar persegue a desforra. Nós desfrutamos. Que mano-a-mano nos espera amanhã ⚔

Introdução
Chegamos então ao meu dia favorito de ciclismo do ano. Não sei se digo isto mais do que uma vez por ano, é possível, mas desta é que é mesmo verdade. Sobretudo este ano, já que o palco para um espetáculo memorável está montado. Se foi o que foi com o pouco que tradicionalmente a Milano-Sanremo tem para oferecer, imaginem agora neste sobe berg desce berg no meio das terras flandrianas que compõem este percurso fascinante.
Os dois senhores inevitáveis, Tadej Pogačar e Mathieu van der Poel, estão cada vez mais a criar uma rivalidade (super amigável, diga-se) daquelas que permanecerão por longos anos nos livros de história deste nosso desporto. Já levam 7 monumentos cada — os ciclistas no ativo com mais vitórias, igualando os históricos Tom Boonen e Fabian Cancellara; ambos com a possibilidade de chegarem à 2.º posição all-time (Roger De Vlaeminck, com 11), mas ainda distantes do homem dos recordes, Eddy Merckx, com 19 (!) vitórias. E eu tenho muita dificuldade em imaginar um cenário para esta corrida que não seja o desempate. São aliens, jogam noutro campeonato, têm uma mudança acima de todos os outros.
E se quando não estão ambos em prova pode tornar a corrida menos interessante, quando os dois se apresentam à partida é um garante de espetáculo. Não só pelas qualidades deles, mas sobretudo pela forma ofensiva que privilegiam quando se montam na bicicleta.
Neste monumento já se encontraram duas vezes. Em 2022, na estreia de Pogačar em cima dos paralelepípedos, foi Mathieu van der Poel a levar a melhor, mas a superioridade do duo ficou evidente.
A "vingança" (talvez desforra seja uma palavra melhor) veio logo no ano seguinte, numa corrida inacreditável em que Pogačar, determinado em chegar sozinho à meta para não se arriscar a perder ao sprint, desfez aquilo que são as tradições do ciclismo e provou que sim, é possível vencer o Tour de Flandres e lá o outro Tour menor que decorre no verão francês. Para quem não viu, não é que 5 minutos cheguem. Mas como aperitivo para amanhã, já é ajuda a abrir o gostinho.
Mathieu van der Poel não pode ter gostado de se ver vencido no seu próprio território e apareceu em 2024 ainda melhor. Dominou não só a Ronde como Roubaix, com ataques de muito longe e provando que, entre os classicómanos, não há rival para ele.
Mas é este ano que terá a sua oportunidade de mostrar que Pogačar não é imbatível. E está muito em jogo, já que uma vitória significará isolar-se como o maior vencedor de sempre nesta prova. O neerlandês parece melhor que nunca, o esloveno também. Pelo que, ou muito me engano, ou vamos falar da edição de 2025 por muitos anos. Porque história a sério será escrita, e isso fica na memória. Ou uma surpresa gigantesca acontecerá, o que também ninguém esquece.
Venha ela. Venha a Ronde. Venha o duelo. Venha a história.

O percurso
125 quilómetros planos, onde já há histórico de caos derivado dos sempre malandros ventos flandrianos, antecedem a chegada às dificuldades. E começam logo com a 1.º passagem no Oude Kwaremont, que é para ninguém ficar na dúvida sobre ao que vem. As 3 passagens nesta subida "dividem" a corrida em 3 fases. Daí até ao Paddestraat, a cerca de 100 quilómetros da meta, decorre a primeira delas. Segue-se uma zona "tranquila" até à 2.º passagem pelo Oude Kwaremont, onde a corrida costuma começar a partir a sério.

E parte a sério porque segue-se a parede do Pateberg e o inadjetivável Koppenberg, onde na edição passada Mathieu van der Poel deixou o pelotão inteiro a pé, literalmente. Quem raios teve a ideia de fazer uma estrada assim? Não sei, não faz sentido, mas estou agradecido.

Há mais uns bergs pelo caminho, alguns deles impronunciáveis, até à chegada à 3.º passagem pelo Oude Kwaremont, novamente seguida do Pateberg. É normalmente nesta combinação que se decide a corrida, quer seja com um ciclista a isolar-se, quer seja a definir o pequeno grupo que decidirá entre si a vitória. São pouco mais de 10 quilómetros até à longa reta que coroa de glória quem a cruzar primeiro.
O que esperar
O meu principal desejo para esta corrida é que os restantes nomes não leiam este artigo e acreditem na vitória. Bem sei que não vos tenho dado muita atenção, mas também gosto muito de vocês, até porque quanto mais acreditarem melhor será a corrida. Eles sabem que têm de chegar aos 50/60 quilómetros decisivos com algum (bastante) avanço para os dois alienzinhos, por isso a antecipação terá que ser a estratégia se quiserem sonhar com a vitória. É verdade que o bloco da UAE parece ser forte o suficiente para controlar a corrida e o da Alpecin costuma aparecer nos monumentos sempre com uma eficiência de quem tem a lição muito bem estudada. Mas hey, quem não arrisca não petisca.
Blocos fortes como a Visma (Jorgenson, Wout van Aert, Benoot, Van Baarle) ou a Trek (Mads, Stuyven, Vacek, Skujiņš) têm que se aliar a alguns lonely warriors como Powless, Küng, Ganna e Trentin (mais uns outsiders que aparecem sempre por estas bandas) para tentarem fazer a vida negra aos favoritos. Falar é fácil, mas como se faz isto? Ataca-se de longe (até quem sabe tenta fazer-se parte da fuga original, pela qual a luta deverá ser árdua e pode render um bom resultado), surpreende-se, espera-se por alguma hesitação, constrói-se um grupo forte e colaborativo. Se o fizerem estão mais longe do pódio, porque o risco de rebentar aumenta, mas mais perto da vitória.
A verdade é que em 2023, por exemplo, se criou esse grupo mas nem assim a vitória lhes sorriu. A dupla consegue fazer evaporar 2/3 minutos nos últimos 40 quilómetros desta prova. E ainda por cima, não são malta que costume andar muito no "ah passa tu que a mim não me apetece". Isto é gente que dá o corpo ao vento.
Dai vem a minha convicção de que a luta será efetivamente a dois, e imagino-a a desenrolar-se da seguinte forma: UAE a intensificar a corrida (conto com uma boa performance do Morgadão neste departamento) preparando o 1.º ataque de Pogačar, talvez na 2.º passagem por Kwaremont ou então no Koppenberg. Ao 1.º ataque seguir-se-á o 2.º, e depois o 3.º, e depois o 4.º, tantos quanto Mathieu van der Poel aguentar. Se aguentar todos e chegar ao topo do último Pateberg, dificilmente a vitória lhe foge já que ao sprint aparenta ter vantagem. O neerlandês poderá encarar esta corrida como encarou a Sanremo — "a minha meta é o topo do Poggio", disse na altura. Pois aqui a sua meta será o Pateberg. E a luta será ver se, como em 2022, chega ao topo com Pogačar e vence; ou se, como em 2023, Pogačar o deixa para trás e triunfa isolado.
Aceitam-se apostas.

Favoritos
Tadej Pogačar — Não há palavras para a versatilidade, a espectacularidade e o pingo de loucura deste rapaz. Nem há limites para aquilo que é capaz de fazer. Ninguém vence na Flandres sem fazer qualquer prova de preparação desde 1964, mas Pogačar já nos provou vezes sem conta que as regras dos comuns mortais não se aplicam a ele. Não quer ir para o sprint, por isso dará tudo e mais alguma coisa, arriscará rebentar e ficar sentado se for necessário, para se tentar isolar rumo à vitória. Perdeu em Sanremo. Perderá duas vezes seguidas? Não é habitual.
Mathieu van der Poel — É um astro. A forma como parece flutuar sobre o pavé é surreal. Parece que nunca fura, nunca cai. Pode ir para uma inédita 4.ª vitória na Ronde e uma inédita 4.ª vitória consecutiva nos monumentos do pavé. Vem cheio de confiança de Sanremo e eu acho que ele é tão racer que está contente por Pogačar estar aqui para se desforrar de 2023 e provar que é ele o dono do pavé. Sem ses nem *'s. É inteligente, sabe a estratégia que deve segunir e fará tudo o que estiver ao seu alcance para nunca perder a roda do esloveno e até, quem sabe, se sentir um bocadinho do cheiro a sangue, contra-atacar.
A não perder de vista
Filippo Ganna — Como já perceberam, eu acho que a vitória está claramente nos dois nomes acima. Mas se há alguém que eu acho que pode aproveitar a mínima hesitação para se isolar, ainda longe da meta, e depois colocar as suas prodigiosas qualidades de contrarrelogista em prática é Ganna. Impressionou muito em Sanremo e na E3 provou estar pronto para este desafio flandriano. Penso que não terá medo de perder um top-10 para ter 10% de hipótese de ganhar a corrida.
Mads Pedersen — O dinamarquês prossegue a sua vida de Chasing Cobbles. É daqueles ciclistas que eu olho e penso que, se tivesse calhado noutra geração, com as vitórias mais divididas, certamente já a sorte de um monumento lhe teria sorrido em alguma ocasião. Mas tem que se jogar com o que há e chega aqui talvez com as melhores pernas da carreira. Terá de atacar, de ser ousado, de não defender um pódio. Se o que lhe falta vencer, segundo o próprio, é um monumento do pavé, não será a ficar na roda que o vai conseguir aqui.
Wout van Aert — Devem ter sido dias duros, estes últimos que Wout van Aert passou. Eu acho-o, sempre achei, um patamar abaixo dos outros. Mas acho-o, também sempre achei, um senhor. A forma como de imediato se retratou depois do descalabro da Dwaars é de campeão. E os campeões podem sempre surpreender, sobretudo quando são descartados da luta. Esta luta entre o ser um campeão e o ficar quase sempre em segundo foi descrita com mais detalhe, e alguma mestria, na crónica lançada esta semana e assinada pelo meu colega Rogério. Aconselho espreitarem.
Apostas falso plano
André Dias — Mathieu, pega no Koppenberg e adieu.
Fábio Babau — Tadej van der Poel.
Henrique Augusto — Eu acho que é mesmo 49/49, mas desta vez vou para Pogačar. Perdeu em Sanremo, ganha aqui, perde em Roubaix, ganha na Liège.
O Primož do Roglič — Mathieu vroom der Poel.
Miguel Branco — Alec Segaert. Segaert a marinha.
Miguel Pratas — Tadej Pogačar. A ganhar motivação para Roubaix.
Nuno Gomes — MvdP. No seu parquinho ninguém brinca.
Rogério Almeida — MvdP-4.