Antevisão — Milano-Sanremo Women

O retomar do beef Kopecky-Vollering. E vai na volta e não ganha nenhuma. O pelotão feminino está de regresso à Via Roma. Finalmente.

Antevisão — Milano-Sanremo Women

Introdução

Se uma Sanremo incomoda muita gente, duas Sanremos incomodam muito mais. Sábado, dia 22 de Março, é um dia histórico para o ciclismo feminino. Esta é a primeira edição da Milano-Sanremo Donne, ainda que em tempos idos, mais precisamente entre 1999 e 2005, uma versão da prova tenha existido com o nome de Primavera Rosa. Portanto, esta não é a primeira edição da Milano-Sanremo Donne. É. Não é nada. É, 'tou-te a dizer. É? Sim. Cá para mim não é. Bom, concordemos em discordar. Esta é a primeira vez que uma corrida feminina com chegada à Via Roma e passagem pela Cipressa e pelo Poggio se chama Milano-Sanremo Donne. Ok? Ok.

A neerlandesa Mirjam Melchers venceu a edição de 2002 da Primavera Rosa. Recebeu um quadro com ondas. (fonte: bici.PRO)

É preciso que se diga que a Primavera Rosa tinha apenas 118 quilómetros e partia de Varazze. Agora partimos de Génova e a distância aumenta: 156 quilómetros.

Nomes à parte, esta é seguramente uma das grandes novidades do ano no Women's World Tour (WWT). Podemos escrever outra história? É que mais um episódio da série "Será este ano que Tadej Pogačar vence a Sanremo?" também já aborrece ligeiramente. Agora é tempo de perceber se Demi Vollering, Lotte Kopecky ou Elisa Longo Borghini são capazes de tornar o Poggio numa subida a sério. A mesma paisagem, intérpretes diferentes. Este é um recomeço para todas estas mulheres. E sem referências recentes, pode bem ser uma primeira edição memorável.

O percurso

156 quilómetros com partida de Génova e chegada a Sanremo. No fundo, é um passeio junto à costa em plena Ligúria.

Genova - Sanremo (156km)

As dificuldades estão todas inseridas nos últimos 50 quilómetros, num final idêntico ao que o pelotão masculino cumpre. Aqui, a distância não é um factor tão evidente. Apesar de quase 160 quilómetros representarem já uma distância significativa e exigente para o WWT, há provas maiores como a Volta a Flandres (mais de 168 kms este ano) — e já agora: em 2024 a Gent-Wevelgem teve mais de 170 e os Europeus tiveram 162. Claro que também não é uma corrida pequena e claro que as subidas finais vão fazer gritar os gémeos, mas não é exactamente a mesma relação com a extensão que existe na prova masculina. 156 quilómetros são já uma distância que se faz várias vezes ao longo da temporada.

Os três capi, Cipressa e Poggio. A ementa é sempre a mesma.

O que esperar

Ainda há uma semana, no Trofeo Alfredo Binda, ficou evidente como o jogo de forças entre corredoras de GC e sprinters é tantas vezes difícil de resolver. Não foram poucas as vezes que Demi Vollering, Anna van der Breggen, Elisa Longo Borghini, Pauline Ferrand-Prévot, Puck Pieterse, entre outras, tentaram deixar Elisa Balsamo e Kata Blanka Vas pelo caminho. E apesar de terem conseguido, em certos momentos, afastarem-se, nunca foi suficiente.

Na Milano-Sanremo, o cenário não é muito diferente. Ou seja, esta volta a ser uma corrida em que terão de ser as corredoras a proporem-se a estabelecer diferenças, uma vez que o terreno não é sobejamente difícil. Lorena Wiebes, Elisa Balsamo e Marianne Vos são os três nomes a abater, são os três nomes que precisam de ficar para trás, nomeadamente no entendimento de Demi Vollering e da sua FDJ e de Elisa Longo Borginhi e da sua UAE Emirates. Para isso, é preciso um grande andamento na Cipressa e, idealmente, já antes disso, no Capo Berta (1.9 kms @ 6.3%; pendentes mais exigentes de todo o traçado), ligar os motores.

Este é também uma corrida especial por outra razão: eis o primeiro embate de Lotte Kopecky e Demi Vollering pelo menos em equipas diferentes, claro. E nesse sentido, é um excelente couvert para o que teremos na Volta a França. Ainda assim, acho pouco provável que tenhamos um mana-a-mana, não me parece que tenham capacidade para se isolarem sem companhia — num terreno não tão duro como este, nomes como Elisa Longo Borghini, Pauline Ferrand-Prévot, Puck Pieterse, Katarzyna Niewiadoma e até, quem sabe, Pfeiffer Georgi, Chloé Dyggert, Liane Lippert, Fisher-Black, Kirsten Faulkner, Marianne Vos, entre outras, devem conseguir seguir.

Bebes tu ou bebo eu? A temível dupla da SD Worx quer acabar com a garrafeira de Sanremo. (©ANP/HH)

Resta saber quando é que a movimentação é feita. Sabemos que a SD Worx não vai atacar Wiebes, portanto Kopecky só tem de esperar e seguir. O mesmo podemos dizer da Visma, embora sem tantas certezas porque Vos também teria todo o gosto de ver Wiebes e Balsamo ficarem para trás. Se o ataque na Cipressa for sério e um grupo grande se estabelecer na frente, pode não ser fácil para as sprinters chegarem à frente. Se o ataque só ocorrer no Poggio parece-me que Wiebes e Balsamo vão tentar seguir por si — essa continua a parecer-me a forma mais fiável de disputarem a vitória: fazerem o corte com as favoritas para se manterem perto por oposição a acreditarem que um pelotão vai conseguir ir buscar as atacantes.

Seja qual for o cenário, a descida do Poggio tem tudo para ser determinante. É possível que chova, o que pode gerar mais receio — e maior risco por parte de outras. Sabemos como é uma descida bastante técnica, onde é preciso cortar todos os centímetros e trajectórias. Há gente aqui presente que pode beneficiar da sua perícia. Num pestanejar estaremos na Via Roma, de olhos postos na meta. A dimensão táctica, o timing, serão, como sempre, determinantes. E sim, se há corrida em que Demi Vollering não é favorita incontestável é esta Milano-Sanremo Donne.

Favoritas & a não perder de vista em Sanremo são a mesma coisa

Lotte Kopecky — Sim, é a sua estreia em 2025. E então? Tem tudo a seu favor. Wiebes na equipa. FDJ sem soluções para o sprint. E tem mais sprint do que Vollering e Longo Borghini.

Marianne Vos — Apresentou-se a um nível bastante interessante no Trofeo Alfredo Binda, respondendo a ataques em subidas e tudo. Acho que vai ser difícil deixarem-na para trás. E ainda tem Ferrand-Prevót para agitar as águas.

Puck Pieterse & Pauline Ferrand-Prevót — São duas das melhores descedoras aqui presentes, com enorme capacidade trazida das vertentes off-road. Se lhes derem 20 metros na descida do Poggio…

Demi Vollering — Fica difícil imaginar um cenário onde Vollering saia vencedora. Duvido que se consiga isolar. Vai sempre chegar à meta com alguém mais rápida no sprint. É bom que faça a Cipressa como se fosse a última subida da sua vida.

Elisa Longo Borghini — O mesmo do que para Vollering. E, portanto, UAE e FDJ têm de unir forças para rebentar as restantes. Esteve a um excelente nível no Alfredo Binda, depois de uma Strade Bianche onde se sentiu adoentada. Parece estar a subir de forma. E estamos em Itália, não é verdade?

Lorena Wiebes & Elisa Balsamo — Se calhar, no papel, até são as duas maiores favoritas à vitória. Isto porque a altimetria é reduzida e as pendentes também. Ambas já demonstraram que conseguem sofrer em ritmos diabólicos. Mas também são as duas com quem ninguém das restantes quer chegar, no caso de Wiebes nem Kopecky quer chegar com a colega de equipa.

Kirsten Faulkner — Está aqui porque desce lindamente. E não nos podemos esquecer da excelente contrarrelogista que é, aliando a isso um sentido de oportunidade muito especial. Já estão a ver o filme, certo? Tudo a olhar umas para as outras no cume do Poggio, Faulkner surge do horizonte, passa directa, desce em modo kamikaze, rola como tão bem sabe até à Via Roma e voilá.

Apostas falso plano

André Dias — Se é para entrar na História, só pode dar Demi.

Fábio Babau — Puck Downhill Pieterse.

Henrique Augusto — Demi está farta de ver todas a olhar umas para as outras e desta vez vai embora sozinha fazer história.

O Primož do Roglič — No coração Vollering, na estrada Kopecky.

Miguel Branco — Marianne Vos. E vai ser a última do grupo no final da descida.

Miguel Pratas — Ganha Kopecky na Lotteria de Sanremo.

Nuno Gomes — Miss Italia, Balsamo!

Rogério Almeida — Vos f*****g GOAT.