Antevisão — Liège - Bastogne - Liège
O povo é que mais ardena.

Introdução
La Doyenne, cá estás tu de novo, grande amiga. A mais antiga clássica do mundo, uma clássica cuja primeira edição se disputou em 1892, só pode estar muito cansada desta vida, de estar viva. E o cansaço, por estas estradas, é quem dita as regras: 252 quilómetros, com os últimos 100 a serem uma tareia daquelas. Ou se sobe, ou se desce — e em princípio subir custa mais; dependendo do corredor, claro.
Foi criada por um jornal franco-belga, nessa altura maravilhosa, de tempos idos, em que os jornais cumpriam o seu desígnio mais importante: criar provas de ciclismo. Não me interpretem mal, eu gosto de jornais, bom, mais ou menos, mas gostava que criassem mais provas, é só isso, gosto de jornais mas gosto mais de ciclismo, pronto. E, além do mais, dão sempre nomes giros à coisa. Omloop Het Nieuwsblad, por exemplo. Podia existir também o Grande Prémio New in Town, a Volta ao Bilhar Pequeno O Mirante ou até, quem sabe, Os Três d'A Comarca da Sertã. Fica a ideia.
A Liège-Bastogne-Liège, que infelizmente não tem nome de jornal mas tem aquele detalhe engraçado de ter duas vezes o nome de uma cidade — um pouco como aquelas pessoas que têm o mesmo apelido duas vezes, Pedro Carvalho de Lima Carvalho, tudo porque o pai e a mãe, apesar de não serem familiares, carregavam ambos Carvalhos na árvore genealógica. Ah, a Liège, era isso, então a Liège é fixe. É uma ardena, uma ardena especial, a última, a mais dura, a mais importante, no fundo, amor é fogo que ardena sem se ver e o povo é quem mais ardena.
Agora a sério: é uma corrida do cacete. E, muito provavelmente, bastava ter dito isso. Que começou em 1892, teve algumas interrupções pela lentidão daqueles tempos, pelas contingências, pelas Guerras, mas que persiste e subsiste como a nossa cota, a mais velha, a anciã.

O percurso
São menos dois quilómetros e meio em relação a 2024, o que, no fundo, não significa grande coisa — talvez apenas que são dois quilómetros e meio a menos para Remco Evenepoel perseguir Pogačar.

11 subidas categorizadas, a primeira o Côte de Saint-Roch, a última o Côte de la Roche-aux-Faucons, com o célebre Côte de la Redoute pelo meio, a cerca de 34 quilómetros da meta.
O que esperar
Este é um dia há muito esperado. Nas últimas quatro edições Remco Evenepoel (2022 e 2023) e Tadej Pogačar (2021 e 2024) venceram a corrida. Mas a verdade é que um embate entre ambos na La Doyenne nunca aconteceu. Em 2021, Remco não esteve presente, começou essa época no Giro d'Italia, depois da grave queda na Lombardia 2020. Em 2022, Pogačar estava marcado para defender o seu título, mas a morte da mãe de Urška Žigart fez o corredor saltar da startlist. Em 2023, o campeão do mundo caiu e teve de abandonar a corrida com o pulso esquerdo partido. Em 2024, Remco caiu no País Basco e não marcou presença. Será desta?
E se é verdade que o belga acabou de começar a temporada, tardiamente, em virtude de uma lesão grave sofrida na off-season, não é menos verdade que chegou com todo o estilo. O que se passou na Amstel Gold Race foi o melhor que podia ter acontecido em direcção à Liège-Bastogne-Liège. Pogačar isolou-se, viria a ser apanhado por Remco e Skjelmose, muito graças ao trabalho do campeão do mundo de contrarrelógio, e foi o dinamarquês o último a sorrir no sprint a três. O grande acontecimento é o facto do esloveno, depois de um ataque e de um longo solo, ter sido alcançado — o que não deixa de ser sintoma de alguma fraqueza só vista no Tour 2024, quando Vingegaard viria a fechar um espaço de mais de meio minuto para o esloveno durante a etapa 11 e acabaria mesmo por vencê-lo ao sprint.
Isto tudo leva à questão: o que passa na cabeça de Pogačar neste momento? Sim, há os tufos a sair do capacete, já sabemos. Mas e mais? Serei eu capaz de atacar de longe novamente, será a La Redoute demasiado longe? Mas que tipo de corredor é que eu sou se atacar apenas no Roche-aux-Faucons — isso era em 2021, quando ainda não era o maior da aldeia, só para lá caminhava.
Dito isto, a verdade é que eu não sei o que esperar. Acho que Pogačar sabe que Remco Evenepoel não é qualquer um e isso pode levá-lo a ser mais conservador. Mas também acho que o estilo louco de Pogačar costuma ser mais o de responder a uma relativa adversidade com mais loucura. Quanto ao belga, é simples, pelo menos para mim que estou aqui sentado a escrever estas palavras: antecipar. Tornar a corrida louca, sobretudo tentando não gastar muito, aliando-se a outras equipas e eventuais candidatos, sabendo que, claro, a UAE vai querer mandar na corrida e tem um lote de corredores fantásticos ao lado de Pogačar para o fazer. Digo antecipar porque como se viu na Amstel, a única receita possível é forjarem uma oportunidade para que o esloveno se deixe levar pelo entusiasmo. Talvez Alaphillippe, desta vez, tenha mais cuidado na hora de se movimentar.
Favoritos
Tadej Pogačar — Eu acho que ele vai esperar por Roche-aux-Faucons e quando arrancar, xau, Laura, nunca mais o agarram.
Remco Evenepoel — Se há alguém que pode impedir o xau, Laura, esse alguém é Evenepoel. Voltou em grande forma, não estava bem posicionado na Amstel quando Pogačar atacou e, se calhar, o melhor é repetir o erro.
A não perder de vista
Mattias Skjelmose — Caiu na Flèche Wallone, obrigando-o a desistir. É, por isso, uma incógnita perceber como vai reagir e se teve tempo de recuperar. Mas numa corrida tão longa, com tanta dificuldade, basta um ombro dorido para as hipóteses se esfumarem. No entanto, se estiver a sentir-se bem… ui ui. Diga-se ainda que dentro da Lidl-Trek não faltam outras cartas: Nys, Ciccone e Bagioli. Cuidadinho com a turma norte-americana.
Thomas Pidcock — Acho que a Flèche lhe assenta melhor que a Liège. Ainda assim, num dia bom, Pidders pode estar entre os melhores.
Ben Healy — Está em super forma, adorava corridas longas e exigente. No fundo, as Ardenas são a casa de Healy. E há uma coisa que é inegável: se há alguém que tenta, esse alguém é Healy. É por isso que às vezes os seus ataques kamikaze surtem efeito.
Romain Gregóire — Está destinado a grandes feitos, parece-me. O ideal seria que Aranburu cortasse a meta em primeiro lugar e desta vez fosse efectivamente desqualificado. Não era giro? Independentemente do cenário, o francês está a fazer uma temporada bastante interessante, não me vou esquecer da resposta na Cipressa, vai miúdo.
Apostas falso plano
André Dias — Pogačar, o Bastognário da Ordem dos Pedaleiros.
Fábio Babau — Tadej. O Huy foi só uma vibe.
Henrique Augusto — Agora só volta a perder em 2026.
O Primož do Roglič — Mais uma para Pogačar. Que rica enKomenda nos saíste.
Miguel Branco — Thibau Nys. Só porque agora já ninguém acredita.
Miguel Pratas — La troisième Doyenne.
Nuno Gomes — Tadej: mais um domingo normal da Pogačar-Bastogne-Pogačar.
Rogério Almeida — Remco, primeiro dos últimos.