Antevisão — Giro d'Italia

Pogačar vs Pogačar ou quem é que vai ser segundo?

Antevisão — Giro d'Italia
Giro d'Italia

Introdução

Uma grande volta é sempre uma grande volta. E o Giro d'Italia carrega sempre esta excitação de ser a que chega primeiro, a que dá o tiro de partida, a que atira a primeira pedra. Diga-se, no entanto, que 2023 não foi propriamente um Giro muito divertido. Este que agora se avizinha e que decorre entre 4 e 26 de Maio, traz consigo uma circunstância rara e estimulante: Tadej Pogačar está por cá. O esloveno decidiu que 2024 era ano de tentar a dobradinha Giro-Tour. O problema é que aqui em Itália a concorrência está muito longe do seu nível e o receio de uma passeata de Pogačar é real — talvez uma queda seja mais temível do que o melhor Geraint Thomas ou o melhor Romain Bardet. Ou seja: um Giro sem suspense, talvez mais aborrecido do que aquele que vivemos o ano passado, é tudo aquilo que o povo dispensa.

Uma coisa é certa: este Primož Roglič não levanta o Trofeu Senza Fine — 54 centímetros e nove quilos e meio. (foto: Alberto Pizzoli / Getty Images)

O percurso

Etapa 1 — Primeira oportunidade para Pogačar começar a ganhar tempo. Será que o esloveno quer ser o único corredor a envergar a rosa? Ou vai dar o primeiro milho aos pardais?

Venaria Reale - Torino (136 kms)

Etapa 2 — Se Pogačar já estiver de maglia rosa este é um bom dia para oferecer a vitória à fuga, mas já sabemos que com Pogi raramente há almoços grátis.

San Francesco Al Campo - Santuario di Oropa (154 kms)

Etapa 3 — Aqui Pogačar descansa. É um primeiro dia para o talentoso lote de sprinters, ainda que com algumas dificuldades no acesso à meta.

Novara - Fossano (165 kms)

Etapa 4 — Cheira a novo sprint. Mas cuidado, o Capo Mele (1.8 kms @ 4.4%) é o primeiro dos três Capo que compõem o final da Milano-Sanremo e aqui está inserido já dentro dos últimos cinco quilómetros da tirada. Nem todos os sprinters devem conseguir discutir a vitória.

Acqui Terme - Andora (187 kms)

Etapa 5 — Sprintalhada número três, ainda que o início da etapa seja algo atribulada e isso possa trazer outros cenários ou excluir alguns homens rápidos.

Génova - Lucca (176 kms)

Etapa 6 — Cuidado. Muito cuidado porque esta etapa pode ter um papel decisivo. São quase 180 quilómetros e passam-se por três sectores de sterrato que fazem parte da Strade Bianche. Ainda se lembram do que aconteceu este ano na Strade Bianche, não lembram?

Viareggio — Rapolano Terme (177 kms)

Etapa 7 (ITT) — Uma semana após o arranque, o primeiro esforço individual. São quase 40 quilómetros de contrarrelógio, com uma subida no final para Perugia. Mais um dia para se fazerem grandes diferenças.

Foligno - Perugia (37.2 kms)

Etapa 8 — Uma daquelas etapas em que o difícil é encontrar metros planos. E a subida final a Prati di Tivo deve oferecer-nos mais um dia aceso na disputa pelo segundo lugar. Pogačar sabe o que é vencer neste cume: fê-lo no Tirreno-Adriatico de 2021.

Spoleto - Prati di Tivo (153 kms)

Etapa 9 — Este é um dia em que os sprinters vão querer voltar ao activo, depois de alguns dias a apanhar bonés. No entanto, aquele final atribulado em Nápoles, sobe-e-desce, pode estragar-lhes os planos.

Avezzano - Napoli (206 kms)

Etapa 10 — Mais uma chegada em alto, mais uma subida que não mete assim tanto medo: é irregular e não deve fazer grandes diferenças — a não ser que o cansaço ou um dia de descanso difícil castiguem um ou outro corredor da classificação geral.

Pompei - Cusano Mutri (141 kms)

Etapa 11 — Sprint, aqui tem de dar sprint.

Goiano di Valfortore - Francavilla Al Mare

Etapa 12 — Com mais 100 quilómetros e tínhamos aqui um belo percurso para um campeonato do mundo. As pernas vão gritar e não é pouco.

Martinsicuro - Fano (183 kms)

Etapa 13 — Outro sprint.

Riccione - Cento (179 kms)

Etapa 14 (ITT) — Mais um contrarrelógio bastante longo, onde alguns especialistas podem corrigir dias menos bons lá atrás e subir na classificação. São 31 quilómetros, à décima quarta etapa… Não espero menos do que diferenças abismais.

Castiglione delle Stiviere - Desenzano del Garda (31 kms)

Etapa 15 — O Mortirolo está longe da meta, mas para Pogačar longe quer dizer outra coisa. As subidas finais voltam a não assustar, mas o cansaço e a altitude (quase 2400 metros) devem tornar a coisa interessante.

Manerba del Garda - Livigno (220 kms)

Etapa 16 — Isto devia ser proibido. É inconcebível. Ou se enganaram ou estão a gozar com a nossa cara — com a nossa e com a dos corredores. O Stelvio merece mais do que ser colocado a 150 quilómetros da meta. Por amor de deus.

Livigno - St. Christina in Gröden (202 kms)

Etapa 17 — Começar a etapa com nove quilómetros a mais de 7% é coisa para rebentar com qualquer um. São 3964 metros de desnível positivo, quatro primeiras categorias e uma das etapas mais duras deste Giro.

Selva di Val Gardena - Passo del Brocon (159 kms)

Etapa 18 — Mais um sprint só para respirar antes do último esforço.

Fiera di Primiero - Padova (166 kms)

Etapa 19 — Outra etapa que enfim, não é carne, nem é peixe. Não é uma etapa de alta montanha, mas também não é uma etapa sobe-e-desce estilo clássica. É o que é.

Mortegliano - Sappada (155 kms)

Etapa 20 — Ah bom, isto sim. Dupla ascensão ao Monte Grappa (18.2 kms @ 8.1%). Isto é dureza a sério. E é a prova de que o mais duro nem sempre tem chegada em alto. É, muito provavelmente, a etapa rainha do Giro 2024.

Alpago - Bassano del Grappa (175 kms)

Etapa 21 — Consagração em Roma e mais uma para pelotão compacto.

Roma - Roma (126 kms)

O que Pogačar

Quem conhece o falso plano sabe que esta zona costuma chamar-se "O que esperar". No entanto, para esta Volta a Itália, tendo em conta a expectável supremacia de Pogačar, ela muda de nome. E talvez chegasse dizer isto como resumo daquilo que espero para La Corsa Rosa. Mas como não quero ser acusado de falta de empenho, deixo-vos explicações mais detalhadas.

Pogačar. (foto: A.S.O. / Charly Lopez)

Ora bem, ou Pogi vence na primeira etapa e nunca mais larga a liderança. Ou Pogi vence a segunda etapa e nunca mais larga a liderança — também se pode dar o caso de ganhar a primeira e oferecer a maglia rosa à fuga na segunda etapa para a UAE Team Emirates não ter de passar 21 dias a controlar a corrida. Depois disso, a etapa do sterrato é dele (sexta etapa). O contrarrelógio da sétima etapa pode não ser dele — há vários especialistas; ainda assim sabemos do motor que o esloveno ganha neste tipo de dia em grandes voltas. A oitava etapa — chegada a Prati di Tivo — vai querer vencer e o mesmo para a décima: meta instalada em Cusano Mutri. Por aqui o Giro vai estar mais do que decidido.

Não há blocos suficientemente fortes para colocarem a vitória de Pogačar em perigo. E a verdade é que todos sabemos a forma sedenta como o esloveno corre que neste caso se traduz em querer, seguramente, resolver o Giro o mais rapidamente possível para poder gerir para o ataque à Volta à França. Ainda assim, é estranho pensar que se chegar ao décimo dia com o Giro arrumado, Pogačar vai andar o resto do tempo a conter-se para não acumular ataques a 30 quilómetros da meta — consegue, ao mesmo tempo, ser uma visão mais fiável do que aquela em que vislumbramos o corredor da UAE Team Emirates a começar de mansinho, guardando o golpe final para a terceira semana de corrida.

Tim Merlier chega ao Giro como patrão. (foto: AlUla Tour / Charly Lopez)

Há seis ou sete etapas que sugerem desfechos ao sprint. Dois ou três desses dias têm complicações no seu final, ou seja, nem todos os sprinters vão chegar. Tim Merlier, Olav Kooij, Jonathan Milan e Fabio Jakobsen são indiscutivelmente os quatro homens mais rápidos presentes à partida. Aqui estarão concentradas a maioria — se não a totalidade — de vitórias disputadas em pelotão compacto. O que não quer dizer que daqui saia o vencedor da maglia ciclamino.

Milan venceu esta classificação em 2023 e volta a ser um candidato evidente — Hoole, Theuns, Stuyven e Consonni é um comboio temível. Kooij, por sua vez, tem Affini e Laporte e isso terá de ser suficiente. Merlier terá em Lamperti um lançador de alto calibre, ao qual junta Bert Van Lerberghe, Josef Černý e Pieter Serry. Jakobsen parece ainda em adaptação à equipa da DSM, mas já provou na Volta à Turquia ter uma boa ligação com o Tobias Lund Andresen.

Mas atenção, porque a velocidade não é tudo. Laurence Pithie, Biniam Girmay e Kaden Groves são nomes evidentes à camisola dos pontos se nos sprints massivos conseguirem incluir-se nos primeiros lugares. E a lista de sprinters não fica por aqui: Caleb Ewan, Ethan Vernon, Fernando Gaviria, Phil Bauhaus, entre outros. Dito isto, é caso para dizer que a luta pelos sprints é capaz de vir a ser mais animada do que a da classificação geral.

A camisola da montanha tem, como sempre, contenders infinitos. Eis alguns nomes para reflexão: Michael Storer, Filippo Zana, Nairo Quintana e Einer Rubio, Jan Hirt e Mauri Vansevenant, Michael Woods e Marco Frigo, Valentin Paret-Peintre, Simon Carr, Lorenzo Fortunato, entre tantos outros. Acredito que as equipas com menores pretensões à geral possam ter este objectivo mais vincado, entre elas a Movistar — embora eles sonhem com o pódio de Nairo Quintana —, a Israel, a Soudal, ou até a Bardiani ou a Tudor. Mas esta classificação é também um misto de sorte e de oportunidade, isto é, por vezes é a fuga no dia certo, que depois se torna objectivo; outras vezes é um objectivo tão grande e corre tão aparentemente bem, que a classificação geral começa a surgir como hipótese. Não há nada a fazer: esperemos para ver.

As últimas palavras neste "O que Pogačar" são para a camisola da juventude, até porque esta é a primeira grande volta onde Pogačar já não é para aqui chamado, imagine-se, nunca é demais relembrar, o esloveno tem apenas 25 anos.

Favoritos

Tadej Pogačar — O que dizer mais? É o maior favorito e só não vence se cair.

Candidatos ao segundo lugar

Geraint Thomas — O que é que eu posso dizer? Que já é demais? Que está velho? Que este ano é que não vai mesmo acontecer? É melhor ser prudente. O britânico é o mestre do pico de forma e não deixa de ser um enorme favorito ao primeiro lugar dos humanos.

Cian Uijtdebroeks — O Verão foi quente. Os quase 70 quilómetros de contrarrelógio e o número reduzido de etapas de alta montanha não apregoam nada de bom para o belga — parece estar cada vez pior nessa especialidade. Ainda assim, o seu talento é raro e a capacidade que demonstrou em 2023 durante a Vuelta não é uma coisa qualquer.

Ben O'Connor — Depois de tentar ser bem sucedido no Tour várias vezes, Ben'O vira o prego para o Giro. Há muito contrarrelógio e isso não é ideal para si, mas aquelas Van Rysel podem encurtar as distâncias. Se é Decathlon, é candidato.

Romain Bardet — Na Liège-Bastogne-Liège testou-se para este Giro: andou muitos quilómetros a "perseguir" Pogačar. E isso pode ser importante no ataque ao pódio deste Giro.

Antonio Tiberi — O sniper de San Marino chega ao Giro em alta rotação. E os muitos quilómetros de contrarrelógio são bons para isso. Vejamos que regularidade consegue atingir em três semanas — e se acabar por ser o líder escudado por Caruso, cuidado…

Daniel Felipe Martínez — Mais um ano, mais uma menção nesta lista. Mas vocês sabem que o moço é bipolar.

Apostas falso plano

Esperamos que compreendam, mas esta secção encontra-se temporariamente em remodelações. Agora a sério: por razões óbvias decidimos suspender as nossas apostas para o Giro, julgo que os motivos estão explanados ao longo desta antevisão.

Sondagem falso plano